19 de abril de 2024
Campo Grande 19ºC

ARTIGO

O efeito placebo

A- A+

Que nome esquisito isso de “placebo”, não é? Nem parece português... E não é mesmo. É uma palavra latina. Parece que lá na Europa, na idade média, existia o costume de contratar pessoas para assistir aos funerais de membros importantes da sociedade e rezar por eles. Uma das orações mais populares começava com a expressão “Placebo Domino in regione vivorum” (agradarei ao Senhor na terra dos vivos). Com o passar do tempo, o termo “placebo” passou a designar qualquer coisa que é feita para agradar, mas que é falsa.

Atualmente, o efeito placebo é um fenômeno psíquico bastante estudado. Esse termo se aplica a casos em que um paciente relata ter melhorado dos seus sintomas depois de ter recebido tratamento com uma substância obviamente ineficaz (água com açúcar, por exemplo), mas com o paciente acreditando que é um remédio de verdade. Pode parecer que é sacanagem fazer isso com um paciente, mas alguns médicos faziam isso para evitar dar remédios fortes, que podem ter efeitos adversos, a pessoas que talvez não precisassem deles ou pessoas cujos sintomas talvez fossem de origem psíquica. Se o paciente melhorava apenas com a administração do placebo, isso podia significar várias coisas, mas evitava o uso descontrolado de remédios.

Apesar disso, nem tudo são flores e arco-íris. O efeito placebo é um dos mecanismos psicológicos fundamentais que sustentam a aceitação de supostas “terapias”, que agradam, mas não curam. As vezes, essas “terapias” são aplicadas por consumados vigaristas, outras vezes são oferecidas de forma cândida por pessoas de boa fé, mas sem a formação adequada para compreender o que elas estão perpetrando. Frequentemente, essas falsas terapias se revestem de explicações pseudocientíficas para robustecer sua verossimilitude e, portanto, aumentar as chances de atrair clientes incautos. No século XIX e começo do XX, esse tipo de terapeutas apelavam ao “magnetismo”. Passes “magnéticos” eram aplicados para tratar diversas afecções e doenças e aparelhos com propriedades magnéticas eram vendidos a bom preço. À medida que a eletricidade e o magnetismo passaram a ser mais conhecidos pela população geral, e portanto, foram desmistificados, um novo conceito tomou seu lugar: a física quântica.

A física quântica nada mais é que a parte da física que se ocupa dos fenômenos que acontecem em uma escala menor que um átomo, da mesma forma que temos leis físicas para descrever o que acontece a escala maior. Existem diversas interpretações possíveis acerca de como entender esses fenômenos, mas nenhuma dessas interpretações é “a física quântica”, nem sequer são “física”. São, apenas, interpretações diversas que, às vezes, se contradizem entre si. Prestem muita atenção! Quando algum terapeuta lhes ofereça alguma terapia “quântica” ou baseada no princípio quântico X ou Y, desconfiem... Porque é quântica e não é uma terapia “iônica” ou “fotônica”, por exemplo? Agora a terapia não é mais “magnética”? Quântico é mais chique, mais moderno, mais gourmet e soa mais científico, mesmo que não seja.

As “terapias quânticas” não curam, basicamente, por 2 motivos: em primeiro lugar, porque não são quânticas em nenhum sentido especial (ou seja, são igual de quânticas que comer bolo de cenoura) e, em segundo lugar, porque não são terapias de verdade. Elas podem consistir em exercícios de respiração, massagens gostosinhas na cabeça, ou nas costas, aplicação de cristais (ou pedras rúnicas), etc. Essas atividades, junto com o contato social, a atenção dada pelo terapeuta à vítima, são capazes de ativar o efeito placebo e dar a sensação de que a pessoa melhorou dos seus males. Contudo, nada fundamental mudou: a causas subjacentes da doença não foram tratadas e persistem.

O fato dessas falsas terapias apelarem a conceitos científicos para dissimular sua óbvia falta de fundamento e de seriedade é simplesmente uma enorme desonestidade. Uma delas, que recentemente está ganhando popularidade no Brasil, lhe foi supostamente revelada ao seu criador (um ex-agente imobiliário quebrado e sem formação em medicina, psicologia, nem nada parecido) pelo espírito do monge russo Grigori Rasputin, que foi conselheiro da última imperatriz da Rússia e foi morto na revolução soviética. Sendo essa sua origem, já dá para ver o nível de suporte científico que pode ter uma terapia desse tipo. Cabe a todos os profissionais da saúde e a todos os cidadãos com formação científica combater essas práticas perversas e maliciosas.

AUTOR: Jaume Ferran ARAN CEBRIA | Mestre em Psicologia (UFSCar) | Psicólogo Clínico, CRP: 14/00281-8, faz atendimento presencial e online.