20 de abril de 2024
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ARTIGO

O Sofrimento Psíquico e a Condição Humana

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Alguém de vocês já chorou sem motivo aparente? Ou talvez sentiu uma imensa tristeza invadindo seu ser? Ou ficaram ansiosos do nada? Imagino que muitos de vocês tenham respondido afirmativamente. Infelizmente, esses acontecimentos fazem parte das nossas vidas. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, mais de 11 milhões de brasileiros sofrem de depressão e quase 3 de cada 10 sofrem de ansiedade. Perante esses dados, a pergunta que surge imediatamente é: porque? Porque o sofrimento psíquico é tão presente nas nossas vidas? A resposta a essa questão não vai nos trazer conforto: sofremos porque somos humanos.

Mas então... os animais não sofrem? Os nossos companheiros não humanos como gatos, cachorros, porquinhos da Índia, reagem emocionalmente sim, a estímulos concretos e presentes, e à quebra de rotinas bem estabelecidas. Contudo, não mergulham em situações dolorosas imaginárias, nem são subitamente abalados por eventos de um passado distante, nem ficam julgando seu próprio comportamento ou criando uma imagem negativa de si mesmos. Essas atividades pouco proveitosas são tipicamente humanas.

A capacidade humana de relacionar “mentalmente” todo tipo de eventos de todas as formas possíveis é responsável em boa parte desse sofrimento. Por exemplo, a maioria de crianças fica feliz quando lembra dos avós. Contudo, se uma criança, ao lembrar dos avós, relaciona com eles a ideia de velhice e a ideia de morte, pode começar a chorar. É claro que isso não acontece o tempo inteiro, porque o comportamento da criança (o de todos nós, na verdade) é determinado por múltiplos aspectos do seu contexto e não apenas por essas relações “mentais”. Apesar disso, essas relações são criadas o tempo inteiro, a maioria das vezes sem termos plena consciência delas, e, portanto, em contextos em que o ambiente da criança não seja muito positivo elas podem vir a prevalecer com certa facilidade, originando na criança sentimentos de tristeza e ansiedade. 

Então, porque não fica todo o mundo depressivo o tempo inteiro? Bom, em primeiro lugar, mesmo que muitas dessas relações “mentais” tenham conotações negativas, muitas outras estão sendo criadas constantemente também que possuem conotações positivas. Além disso, as pessoas temos várias fontes de sensações boas como contato com amigos, apoio de familiares ou comidas gostosas, por exemplo. Problemas mais sérios e duradouros podem vir a acontecer em pessoas que desenvolvem vieses cognitivos, uma espécie de hábitos mentais adquiridos que levam a pessoa a focar sua atenção apenas em aspectos negativos da sua vida. Nesses casos, especialmente, é recomendado procurar ajuda profissional.

Mesmo quando as nossas preocupações têm base na realidade objetiva (experienciamos dificuldades no relacionamento, perdemos um emprego, etc.), elas entram nessa dinâmica “mental” e são relacionadas automaticamente a muitas outras ideias e experiências  que acabam sendo afetadas por essas preocupações e o efeito que elas acabam tendo se multiplica com muita facilidade e isso pode nos deixar mais abatidos ou pessimistas.

Então, podemos afirmar que o sofrimento psíquico faz parte da condição humana. Contudo, é importante lembrar que também faz parte da condição humana a possibilidade de transcender esse sofrimento. O ser humano consegue avaliar as situações em que se encontra e tomar decisões conscientes. As pessoas temos a capacidade de focar a atenção no momento presente e deixar que o pensamento flua desimpedido sem necessariamente mergulhar em cada pensamento negativo que vem à nossa cabeça. A “Mindfulness”, também conhecida como “atenção plena”, é um conjunto de práticas cognitivas que visa transformar essa nossa capacidade em um hábito. Uma vez esse hábito é adquirido e, portanto, conseguimos viver de fato e aproveitar o momento presente, não mais somos dominados pelo sofrimento psíquico. Isso não significa, é claro, que não vamos ter experiências dolorosas na vida o que elas não vão nos afetar, mas que não estaremos mais submetidos aos resultados perniciosos do funcionamento relacional da mente humana.

AUTOR: Jaume Ferran ARAN CEBRIA, Mestre em Psicologia (UFSCar) | Psicólogo clínico, CRP:14/00281-8 Atendimento presencial e online