O que têm a ver uma caminhonete pilotada por um motorista que não respeita sinal, uma Câmara de Vereadores que se deixa desfigurar pelo diletantismo voluntarista e emocional dos interesses político-partidários e um Judiciário que se revela dividido na multiplicidade de leituras diferentes para um mesmo contexto?
Infrações de trânsito são cometidas todos os dias e em todos os lugares de Campo Grande, por todos os gêneros e faixas etárias de condutores. Na quinta-feira passada, o jovem que conduzia (?) a S-10 NRJ-1129 subiu a Barão do Rio Branco, cortou os carros pela direita e avançou o sinal para virar a 25 de Dezembro. Passei por ele instantes depois e o vi, instalado confortavelmente na sua empáfia, senhor de si e, ao que parece do mundo. Não me atrevo a falar sobre a educação que recebeu em casa. Quero crer que seus pais não o tenham ensinado a transgredir as leis ou desrespeitar vidas humanas. Não sei onde esse jovem aprendeu, mas a sua atitude no trânsito demonstrou princípio e consciência de quem não se importa com os meios para atingir seus objetivos, ser o primeiro a qualquer preço.
Que este jovem, se puder ou quiser, me perdoe se me atrevi a julgá-lo. Pode ser que meus dedos estejam também sujos e me desautorizem a aponta-los nessa direção. Mas a sua flagrante irresponsabilidade, capaz de colocar outras vidas em risco, indica o comportamento de quem ainda aposta na impunidade ou na frouxidão da vigilância policial.
VERSÃO POLÍTICA - Direção perigosa no trânsito tem sua versão na política. É o que faz o prefeito Alcides Bernal com o mandato que lhe foi outorgado por 270,9 mil eleitores. O homem que destronou o reinado peemedebista de duas décadas e meia virou alvo, é verdade. E por isso deveria ter a melhor concepção sobre a necessidade de se fortalecer política e administrativamente, de blindar-se contra a previsível saraivada de balas da qual seria alvo, algumas disparadas de frente, outras traiçoeiramente.
Bernal fez o contrário: dispensou-se de uma imprescindível couraça política e fragilizou seu primeiro exercício como prefeito. E se vê diante de duas obrigações que poderiam ser uma só: além de dar aos seus 270,9 mil eleitores a certeza de que não erraram na escolha, precisará provar aos quase 900 mil moradores de Campo Grande que é de fato o grande protagonista da mudança no ciclo de hegemonia gerencial da capital de Mato Grosso do Sul. São tarefas que, a cada dia, mostram-se mais complexas, com dificuldades acumuladas por quem deveria removê-las.
Enquanto as barbeiragens políticas e administrativas continuarem sendo cometidas, pouco ou nada adiantará ao prefeito vitimizar-se no apelo do “deixem-me trabalhar”. Toda a Campo Grande sabe que a tentativa de cassar seu mandato parte de um dos círculos mais viciados e politicamente corroídos da cidade. Igual e até pior que Bernal fizeram seus antecessores em várias circunstâncias poderiam e se obrigariam ao cumprimento do prefeito basilar da existência do Legislativo, que é fiscalizar o Executivo.
Sem querer voltar mais além no tempo, em 16 anos, oito de André Puccinelli e oito de Nelson Trad Filho, a Câmara de Vereadores foi uma homologadora das vontades e quereres do plantonista-mor do Paço. Mais recentemente, o predecessor de Bernal, no apagar das luzes de seu mandato, empurrou goela abaixo da cidade a renovação de concessões de serviços em certames bilionários que mereciam, no mínimo, a mesma atenção dada hoje pela Câmara às estrepolias de Bernal, arrastando consigo flancos do Ministério Público e do Judiciário num debate-embate de duração indefinida e de interpretações variadas.
Se existem por parte de opositores de Bernal – alguns sustentando-se no cargo por força de liminar - o interesse da desforra, a ação inconformista pela perda de privilégios ou a maliciosa trama para derrotar no tapetão quem os derrotou no jogo regular e aberto, e ainda que isso tudo desqualifique a inteireza ético-constitucional da Comissão Processante, não se pode ignorar a enorme contribuição que o próprio prefeito vem dando jurídica e politicamente à sua periclitante situação.
LENGA-LENGA - Fugir ao compromisso político foi grave e repetida barbeiragem, porque a lenga-lenga de não ceder a pressões fisiológicas vale para situações tradicionais, mas específicas e estanques, localizadas num nicho à disposição dos que por ele se interessam. Se quiser, ou se quisesse, Bernal teria – e tem – total autoridade e argumentos para compor sua base de sustentação política sem ceder às rompanças fisiológicas, algumas grosseiras, como a do vereador Edson Shimabukuro. Este, segundo se divulgou, condicionaria seu voto - contra ou a favor do prefeito - à nomeação de “bons quadros” disponíveis em seu partido (PTB) para ajudar na administração da cidade. Enfim, de currículo às mãos.
Outras grosseiras barbeiragens do prefeito: nomear, na base da pressão, um articulador político que muitas vezes não ouvia ou não recebia; fazer contratações de serviços e empresas sem observar ditames comezinhos da legislação e das posturas, ignorando que não basta ser honesto, mas é preciso também parecer honesto; a demissão de uma diretora de segundo escalão no meio de um rumoroso temporal político-jurídico-judicial; a desarticulada convivência com os secretários; e a inescondível falta de cuidado para garantir seu trem de governabilidade e competência nos trilhos de uma gestão diferenciada.
Se não for direção perigosa, nem barbeiragem, o conflito de interpretações e competência no âmbito do Judiciário pode ser visto como hesitação, algo que não se admite no exercício de dirigir um veículo ou uma instituição, qualquer seja. O Judiciário, num festival de liminares sobrepostas e opostas entre si, permite que a opinião pública comece cultivar perigosa e nada alentadora desconfiança em relação à magnitude das decisões da principal corte encarregada de julgar os atos individuais e coletivos da sociedade.
Em tudo isso - no trânsito das ruas, das disputas políticas e dos diferentes achados interpretativos da Justiça acerca de um único cenário – configuram-se as responsabilidades, os riscos e as educações de quem representa e é representado, de quem julga e é julgado, de quem governa e de quem é governado. A diferença é que, antes de Bernal e da Comissão Processante, só os governados, barbeiros ou não, estavam nus.
Edson Moraes, especial para MS Notícias