26 de julho de 2024
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Em vexame histórico, TCE mantém escancarada “guerra política” nas nomeações

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Com sete vagas no Conselho Deliberativo, o Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul não sabe por quanto tempo ainda continuará realizando sessões desfalcado de um de seus titulares. A ausência de um conselheiro não é determinante para as atividades de apreciação e julgamento dos balancetes, pois o regimento permite que um membro qualificado dos quadros administrativos seja investido, quando necessário, da função de conselheiro-substituto, normalmente vinculado à Auditoria ou à Corregedoria do TCE. O problema que incomoda não é o quórum, mas um vexame que pode ter arranhado para sempre a imagem da instituição.

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As influências externas que denunciam e comprovam a vulnerável condição de fiscal e julgador do TCE-MS ficaram escancarados no episódio que envolveu o pedido de aposentadoria prematura do conselheiro José Ricardo Pereira Cabral com o objetivo de abrir vaga para o deputado estadual Antonio Carlos Arroyo. No ano passado, três vagas do Conselho foram abertas para serem preenchidas por meio de indicações do Governo do Estado e da Assembleia Legislativa. Além desses dois poderes, que fazem indicações políticas, o Ministério Público Especial e a Auditoria do TCE também têm a sua vez de fazer a chamada indicação técnica. Mas todas as indicações precisam receber a aprovação dos deputados estaduais com votação secreta em plenário.

As duas primeiras vagas foram abertas com a saída, pela porta da frente, dos conselheiros Cícero de Souza e José Ancelmo dos Santos, em janeiro de 2014, que aos 70 anos atingiram a idade-limite para adquirir direito à aposentadoria compulsória. Para seus lugares foram indicados Osmar Jerônymo, que era secretário estadual de Governo de André Puccinelli, e Jerson Domingos, que era deputado e presidente da Assembleia Legislativa.

Duas importantes figuras políticas do Estado estavam com sua acomodação garantida para o ambicionado cargo de natureza vitalícia, bela remuneração e quase nenhuma obrigação de prestar contas num órgão que parece pairar acima de tudo e de todos. Mas restava ser cumprido outro compromisso igualmente acomodador e cujo contexto de bastidores ainda é um grande mistério. A solução engendrada parecia ser simples: abrir-se-ia mais uma vaga e nela o aquinhoado seria encaixado. A questão sobre quem deixaria a Corte foi resolvida com a escolha do conselheiro José Ricardo Pereira Cabral. E o método para sua saída seria requerer aposentadoria.

Surgiu então aí o primeiro mistério e nele algumas perguntas sem resposta: como Cabral foi escolhido? Porque ele aceitou pedir aposentadoria se não tinha qualquer problema aparente de saúde que o impossibilitasse de trabalhar e ainda não completou nem 60 anos (é de maio de 1955)? E a quem estaria reservada a indicação para substituí-lo?

O “CASO CABRAL” - Não era segredo para ninguém que o deputado estadual Antonio Carlos Arroyo nunca escondeu seu desejo de fechar sua trajetória na vida pública ocupando o Conselho do Tribunal. Para isso, precisava apenas ser indicado pelos dirigentes do Executivo ou do Legislativo.  Ele já havia tentado, sem sucesso, garantir-se na Corte quando surgiu a vaga em 2011 com a morte da conselheira Celina Jallad. Arroyo estava praticamente amarrando seu lugar quando atendeu um apelo para que o governador André Puccinelli cumprisse um compromisso com o PSDB e, especificamente, com a senadora Marisa Serrano. Ela ficou com a vaga, depois de rumorosa e constrangedora pendenga política e jurídica, marcada por votações de deputados contrários à sua investidura e ameaça de disputa judicial pelo cargo. Marisa, por fim, foi aprovada e nomeada em junho de 2011. Em troca, Arroyo reforçou em seus investimentos para a próxima vaga o compromisso de um agradecido Puccinelli.

INVESTIMENTO - Mesmo esperando a compensação prometida pelo governador, Arroyo não cruzou os braços e fez seus próprios investimentos no projeto, inclusive antecipando o propósito de não mais concorrer à reeleição. Era apenas uma questão de tempo para tornar-se conselheiro. Sabia que não teria como concorrer com Osmar Jerônymo e Jerson Domingos e tinha certeza que depois do secretário de Governo e do presidente da Assembleia a tão sonhada vaga finalmente lhe seria oferecida. E foi. Puccinelli cumpriu o prometido, indicando seu nome e homologando-o após a aprovação dos deputados.

No entanto, o TCE, já experimentando a máxima do “rei morto, rei posto”, entronizava outros interesses. O peemedebista Puccinelli estava deixando o governo para o tucano Reinaldo Azambuja. Coincidência ou não, ex-dirigentes tucanos já davam as cartas na Corte: o conselheiro Waldir Neves Barbosa garantiu os votos para ser eleito presidente do Conselho a partir deste ano. Contou, para isso, com o apoio da conselheira Marisa Serrano e, de longe, sem interferir, mas na torcida, do governador Reinaldo Azambuja. Seria mera coincidência: Neves, Marisa e Azambuja foram dirigentes e lideranças máximas do PSDB de Mato Grosso do Sul.

Em manobra rápida, a corte trabalhou para inviabilizar a investidura de Arroyo. Começou com uma reunião extraordinária, em pleno recesso, na qual tornou sem efeito o ato que concedia a aposentadoria de Cabral. E não sem motivo: foi ele mesmo, Cabral, que ocupava interinamente a presidência em substituição a Cícero de Souza, quem operou a tramitação da própria e até hoje não-esclarecida aposentadoria. Embora tivesse há um ano e meio um abono de permanência assinado por Cícero e que lhe dava o direito de aposentar-se quando quisesse, Cabral não escapou à suspeição generalizada sobre o arranjo confuso e mal-explicado que envolveu sua saída.

Com base nessa conduta, os conselheiros conseguiram na Justiça uma liminar suspendendo a indicação de Arroyo. Para o ex-deputado, a manobra foi feita com o objetivo de deixar a indicação para o governador Reinaldo Azambuja. Resultado: o TCE continua com seis conselheiros, a decisão judicial mantém Arroyo longe da vaga de Cabral e nesse caso a indicação vai ficar mesmo com Azambuja. Não há nenhuma chance para Arroyo ou qualquer outro nome ligado ao governo anterior, inclusive o de Edson Giroto, que seria o preferido de Puccinelli. Especula-se que se vigorar uma das tendências que circulam nos corredores do Parque dos Poderes, o nome do deputado estadual Flávio Kayatt (PSDB) pode ser uma das alternativas mais fortes para ocupar a vaga que quatro vezes escapou das mãos de Antonio Carlos Arroyo.