26 de julho de 2024
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ELEIÇÕES 2022

Governo Bolsonaro corta Farmácia Popular; 'um tiro no pé', avisa Mussolini

Cortes na LOA de 2023 atingem a Saúde da população de baixa renda

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A indústria farmacêutica planeja levar ao governo sua preocupação com o corte no orçamento do Farmácia Popular, programa que distribui medicamentos gratuitos ou com desconto à população de baixa renda.

Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma, afirma que a retirada de recursos dos medicamentos que ajudam na prevenção de doenças pode sobrecarregar o custo do tratamento posterior com o agravamento da condição dos pacientes.

"Se não cuidar da hipertensão, o paciente pode ter AVC. Se não cuidar da diabetes, pode ter amputação. Uma pessoa que hoje é produtiva vai parar na Previdência. Em vez de ser contributiva, ela passa a ser beneficiária. Não manter esse tipo de programa é dar um tiro no pé", diz Mussolini.

Nas contas dele, o custo deve subir. "É um programa que com R$ 2 bilhões tira dos hospitais mais de 20 milhões de brasileiros", afirma.

Jair Bolsonaro cortou 59% do orçamento do programa “Farmácia Popular” na Lei de Orçamentária Anual (LOA) de 2023. A Lei determina o que cada governo deverá gastar antes de um ano começar. 

A medida adotada pelo governo visa liberar mais dinheiro para deputados e senadores via Orçamento secreto, um mecanismo criado pelo governo e parlamentares que permite a liberação de milhões de reais sem controle ou transparência, e é comandado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chefão do Centrão e um dos aliados mais fiéis do presidente.

Com a decisão do presidente, brasileiros e brasileiras, em especial os mais pobres, podem ficar sem os remédios para asma, hipertensão e diabetes distribuídos de graça pelo “Farmácia Popular”, criado em 2003 no governo do ex-presidente Lula. O programa atende em todo o país mais de 21 milhões de pessoas.

Em 2020, Mussolini, já havia criticado duramente a medida quando o governo Bolsonaro sinalizou cortar verbas pela primeira vez em meio a pandemia: “O programa é exitoso”, disse à época.

O programa reduz os custos na área da saúde, comentou  na mesma época, o presidente executivo da Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogaria (Abrafarma), Sérgio Mena.

"Quando não se cuida do diabetes e da hipertensão, a conta fica maior. Essas duas doenças dão origem a uma série de agravos e comorbidades que custam muito mais caro ao Brasil", alertou, Mena.  

A Conselheira nacional de saúde e representante da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), Debora Melecchi também criticou a decisão e disse que o fim do programa pode trazer despesa à população mais pobre, já atingida pela pandemia da Covid-19. "A saúde tem de ser vista como um investimento, não como um custo ao governo".

QUERIDO ORÇAMENTO SECRETO 

De acordo com o assessor do Senado e especialista em saúde, Bruno Moretti, em 2022, o orçamento do Farmácia Popular era de R$ 2,04 bilhões. Já no projeto de 2023, o governo previu R$ 842 milhões: corte de R$ 1,2 bilhão, o que representa 56%. 

Moretti, explica que a verba retirada da Saúde foi o meio que o governo garantiu verbas para o orçamento secreto, por meio das chamadas emendas do relator. Pelo levantamento do assessor do Senado, as emendas de relator incluídas no orçamento da saúde cresceram 22%. As emendas parlamentares individuais e de bancada impositivas (que o governo é obrigado a executar) aumentaram 13%.

Em entrevista ao Estadão, Moretti disse que “não há dúvida: o que a equipe econômica fez foi reduzir todas essas despesas para incorporar as emendas. Para caber as emendas RP-9 (de relator), estão tirando medicamentos da Farmácia Popular", diz Moretti. "[Com o programa] O parlamentar não consegue chegar lá na ponta e dizer que o remédio que o paciente pegou de graça é fruto da emenda dele".

GOVERNO BOLSONARO E TEMER 

Em 2018, no governo de Michel Temer (MDB-SP), o então ministro da saúde, Ricardo Barros, em encontro com empresários reclamou dos custos do programa.

Este é o segundo ataque de Jair Bolsonaro ao Farmácia Popular. Pois em 2020, o ministro da Economia, Paulo Guedes, queria acabar com os subsídios aos medicamentos, porque, segundo ele, o Farmácia Popular era ineficiente, por supostamente atender também a classe média e os ricos, que se utilizariam dos remédios a preços populares.

Ele só ignorou que doenças crônicas como diabetes e hipertensão são as principais causas de mortes no Brasil e no mundo. Essas doenças são controláveis desde que os pacientes sejam medicados.

A ideia de Guedes, na época, era ter dinheiro para implementar o eleitoreiro Auxílio Brasil.

O PROGRAMA FARMÁCIA POPULAR

Além de medicamentos para doenças crônicas, o programa conta com 35 mil pontos de venda, oferece com até 90% de desconto, 125 remédios para tratar problemas como colesterol alto, osteoporose, doença de Parkinson, glaucoma, rinite e dislipidemia, contraceptivos e até fraldas geriátricas.

Os medicamentos gratuitos para diabetes, hipertensão e asma passaram a ser retirados nos balcões da rede – a maioria em farmácias particulares cadastradas pelo Ministério da Saúde.

Até 2016, o programa atuou com 520 unidades próprias e 34.695 drogarias e farmácias credenciadas, presentes em 4.282 municípios.

Com a interrupção do governo de Dilma Rousseff (PT) o programa começou a ser desmontado. As farmácias próprias da rede foram fechadas em 2017 e o ritmo de inclusão de novas unidades privadas é mínimo.

Em 2019, apenas uma farmácia havia sido credenciada até agosto. Apesar de tudo isso, o Farmácia Popular atendeu em 2019 um total de 21,3 milhões de pacientes.

Quando falou em acabar com o programa Guedes ignorou que a partir de 2012, três remédios contra a asma começaram a ser distribuídos porque a doença que é uma das principais causas de internações de crianças no país. Em apenas um ano, 1,2 milhão de pessoas retiraram os medicamentos nas Farmácias Populares. O resultado foi a queda de 16% no número de crianças internadas com asma. Até 2016, 3.525.005 pessoas foram beneficiadas com medicamentos gratuitos de combate à doença.