26 de julho de 2024
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ELEIÇÕES 2022

Pela 1º vez em 37 anos, 7 de Setembro é usado como comício eleitoral

Presidente falou em virilidade masculina a um público com centenas de crianças; usou nome de Deus e em MS, até Marcha para Jesus foi politizada

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Jair Bolsonaro (PL), quebrou a tradição de celebrar em 7 de  Setembro, justamente o Bicentenário da Independência, a redemocratização do país. A data era há 37 anos — desde o término da ditadura militar — usada para celebrar a redemocratização, mas ontem (7.set.22), acabou virando um comício eleitoral.  

Em Mato Grosso do Sul, até a Marcha para Jesus — que antes celebrava a fé e o filho de Deus — virou um ato politiqueiro. Vamos lembrar que a Marcha para Jesus foi instituida no calendário nacional ao longo do governo Lula, como já mostramos aqui no MS Notícias.  

Bolsonaro há meses conclamava apoiadores para encher as ruas no feriado. Ontem fez discursos, atacou adversários e pediu votos em Brasília e no Rio de Janeiro. Os demais poderes da República se recusaram a fazer parte do ato. Mesmo convidados, os presidentes do STF, Luiz Fux, da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não compareceram nem mandaram representantes ao desfile na capital. Se em seus discursos Bolsonaro evitou atacar diretamente o STF e seus ministros, os cartazes entre o público não deixavam dúvidas quando ao tom golpista, com pedidos de intervenção militar e fechamento do Supremo e do Congresso. A data do povo brasileiro foi sequestrada por Bolsonaro e seus eleitores radicais de extrema-direita.  

Após o desfile militar em Brasília, Bolsonaro tirou a faixa presidencial e foi para um carro de som onde fez um discurso de caráter messiânico ao lado do pastor Silas Malafaia, enfatizando a pauta de costumes, com críticas ao aborto e à descriminalização das drogas. Em dado momento, beijou a primeira-dama, puxou um coro de “imbrochável” e, sem citá-la nominalmente, ironizou a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, casada com seu adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Podemos fazer várias comparações até entre as primeiras-damas. Não há o que discutir uma mulher de Deus, família e ativa na minha vida”, disse o presidente, a um público com crianças. 

O comando da campanha de Lula aconselhou Janja a não responder a mais essa provocação bolsonarista. Já as candidatas à presidência e senadora de Mato Grosso do Sul, Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil) reagiram no Twitter, classificando respectivamente a fala de Bolsonaro como “vergonhosa e patética”: “O presidente mostra todo seu desprezo pelas mulheres e sua masculinidade tóxica e infantil”, escreveu. Sobre o termo “imbrochável”, Thronicke foi direta: “O que o Brasil precisa, mesmo, é de um presidente incorruptível. Bolsonaro prima pela desqualificação". Desde os escandalos envolvendo seus filhos acusados de esquemas de rachadinhas e do escândalo de corrupção envolvendo seu ex-ministro, Milton Ribeiro, e pastores bolsonaristas que comandavam o orçamento do Ministério da Educação (MEC), Bolsonaro se afastou da imagem de que não é corrupto, como sustentou no 1º turno de 2018. Como é público, todo caso de corrupção ao longo do governo Bolsonaro foi abafado com mudanças sistêmicas na Polícia Federal, assim o mandatário conseguiu inviabilizar investigações. Mas enumeramos os casos que deveriam ter sido investigados AQUI.  

Embora o presidente tenha se rasgado em mimos com a primeira-dama no palanque, uma equipe da TV Brasil captou um momento diferente. Os dois discutiram na saída do Palácio da Alvorada, antes de irem para o desfile. Segundo Igor Gadelha, Bolsonaro tentava convencer Michelle a desfilar com ele em carro aberto. Não é possível ouvir o que dizem, e um segurança interrompeu a filmagem. O comando da campanha do presidente diz que o vídeo, que viralizou em minutos, é preocupante, já que Michelle é vista como trunfo para tentar conquistar o voto feminino.

No Rio, à tarde, Bolsonaro participou de uma motociata pela cidade e discursou diante de uma multidão que tomava a Avenida Atlântica, em Copacabana. Além de exaltar seu governo, que, em suas palavras, “acredita em Deus e respeita policiais e militares”, ele atacou Lula, fazendo referência a países como Venezuela, Argentina e Nicarágua. “Todos são amigos do quadrilheiro de nove dedos que disputa a eleição no Brasil”, disse. Diante de sua baixa performance nas pesquisas eleitorais, já era esperado que Bolsonaro aumentasse o tom de ataques a Lula, com ofensas, já que pouco tem de provas e dezenas de postagens falsas contra o ex-presidente espalhadas pelo Gabinete do Ódio (comandado pelos filhos do presidente), acabaram sendo removidos das redes pela Justiça Eleitoral, que considerou as publicações falsas e que visa manipular o eleitor. 

Segundo levantamento feito pela USP usando um algoritmo e fotos aéreas, o evento em Copacabana reuniu cerca de 64 mil pessoas.

A estimativa de público em Brasília, aliás, provocou uma saia justa registrada em vídeo, conta Rodrigo Rangel. O locutor Cuiabano Lima havia acabado de comemorar a presença de cem mil pessoas na Esplanada dos Ministérios quando um militar fardado cochichou algo em seu ouvido. Era o ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o coronel do Exército Mauro César Barbosa Cid, investigado no inquérito das fake news. Ato contínuo, Lima multiplicou por dez sua conta em falou em um milhão de participantes, número não confirmado pelo governo do Distrito Federal. 

Mesmo sem estimativa oficial, é possível comparar as fotos das manifestações em Brasília em 2021 e este ano.

Veja comparação de fotos das manifestações em 2021 e agora, em 2022. Fotos: Sergio Lima | Poder360Veja comparação de fotos das manifestações em 2021 e agora, em 2022. Fotos: Sergio Lima | Poder360

O comandos de campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) pediram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma investigação contra Bolsonaro por uso abuso de poder econômico e político do presidente nos atos de ontem. Segundo os advogados de Lula, Bolsonaro usou o evento cívico-militar, do qual deveria participar estritamente como chefe do Executivo, para fazer um “megacomício” de campanha.

No Instagram, Lula lembrou como costumavam ser as celebrações de 7 de Setembro, em governos que respeitavam a democracia de fato. Veja: 

Malu Gaspar, do O Globo, lembrou: “Em fevereiro de 2018, o guru da extrema-direita Steve Bannon explicitou, com surpreendente sinceridade, sua estratégia para multiplicar a mensagem do trumpismo: ‘A oposição é a mídia. E a forma de lidar com eles é inundá-los com nossas merdas.’ A finalidade dessa tática nunca é esclarecer: ‘Não se trata de persuadir, e sim de desorientar.’ O que se viu neste 7 de Setembro foi a execução perfeita do método Bannon por Jair Bolsonaro. Para poder voltar ao golpismo que está em sua essência, precisa, primeiro, garantir a presença no segundo turno. Foi o próprio presidente quem disse, nos discursos de ontem: ‘Esperem uma reeleição para vocês verem se todos não vão jogar dentro das quatro linhas da Constituição.’ Por enquanto, o que ele podia fazer era convocar as Forças Armadas para dar efeito simbólico a seus atos políticos e deixar no ar o medo de tumultos e de um golpe de última hora. O golpismo nas faixas dos manifestantes e nas imagens de generais engalanados sobre o palanque era, afinal, um espantalho destinado a atrair atenção. Garantido o barulho, Bolsonaro partiu para seu real objetivo — galvanizar a própria base, antecipando para já a disputa de rejeições que costuma caracterizar os segundos turnos".

Silvio Cascione registrou no Estadão: "As manifestações a favor de Jair Bolsonaro neste 7 de Setembro precisam ser interpretadas como grandes comícios a favor do presidente. Foi uma grande dose de ânimo para sua base. No entanto, é difícil crer que comícios decidam eleições. No fim das contas, mais do que uma base fiel e mobilizada, o que importa é a opinião da maioria, incluindo aqui os indecisos. O discurso típico de palanque, focado nos temas habituais da base bolsonarista, não representa os anseios dessa parte da população que ainda precisa ser conquistada pelo presidente para ganhar a reeleição". 

Vera Magalhães, do O Globo, considerou: “Não, Jair Bolsonaro não se moderou em Brasília, como vão tentar vender os ministros sempre ocupados em vender um presidente que não existe. A despeito de não ter ainda xingado ministros do Supremo Tribunal Federal, o presidente juntou um ato oficial em que vários protocolos foram quebrados e todo o enredo foi calcado em suas bandeiras de campanha a um comício não se sabe pago por quem, mas que aproveitou a estrutura logística oficial para atrair público". 

Clarissa Oliveira disse na Veja: "A cena de Jair Bolsonaro ladeado pelo empresário Luciano Hang, ocupando o lugar que deveria ser destinado a chefes de outros Poderes, dá a dimensão da apropriação do bicentenário da Independência pela campanha de reeleição do presidente. A presença de Hang na Tribuna de Honra, um lugar tão nobre, é um recado claro de Bolsonaro a outro Poder ausente na cerimônia: o Judiciário. Afinal, ele foi um dos alvos da operação deflagrada com aval do ministro do STF Alexandre de Moraes contra empresários acusados de difundirem mensagens antidemocráticas em um grupo de WhatsApp". 

A pesquisa do PoderData divulgada na tarde de ontem mostra movimentos diversos entre os dois turnos das eleições, embora todos dentro da margem de erro de dois pontos. Na primeira rodada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recuou um ponto em relação à pesquisa anterior, para 43%, enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL), agora com 37%, avançou um ponto. Ciro Gomes (PDT) permaneceu estável em 8%, enquanto Simone Tebet (MDB) foi de 4% para 5%. Nenhum dos demais candidatos chegou a um ponto. Se a distância no primeiro turno se estreitou, ela se expandiu no segundo, com Lula mantendo 52% e Bolsonaro recuando um ponto para 40%.

Fonte: Meio.