26 de julho de 2024
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ELEIÇÕES 2022

Suposto padre, Kelmon tumultua e vira 'laranja de perguntas' no debate

Radical de extrema-direira se uniu a Felipe d'Ávila para ajudar Bolsonaro

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O candidato que entrou no lugar de Roberto Jefferson — como candidato do PTB — à Presidência da República, Padre Kelmon, um radical de extrema-direita, usou o espaço no debate da TV Globo na noite desta quinta-feira (29.set.22), para tumultuar, fazer elogios à Jair Bolsonaro (PL) e atacar os candidatos de esquerda. Kelmon sustentou que há 5 candidatos de esquerda e ele e Bolsonaro seriam as opções para a direita brasileira, a informação está incorreta.

Defensor de pautas conservadoras, Kelmon se autointitula sacerdote, apesar de não ser oficialmente reconhecido pela união das igrejas da comunhão ortodoxa no Brasil.

No debate desta quinta, o suposto padre atuou como auxiliar de Bolsonaro. Durante o evento, o suposto padre ligado a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa do Peru criticou a esquerda, teve embates com Soraya Thronicke (União Brasil) e atacou agressivamente Lula (PT), com teorias da conspiração citando inclusive a fake news antiga da existência de Fórum de dominação comunista em São Paulo.  

Em seu perfil no Instagram, Kelmon apresenta uma linha do tempo com o título “quem é padre Kelmon”: 

  • Nascido em 21 de outubro de 1976 na cidade de Salvador;
  • aos 20 anos, ingressou no seminário Mater Ecclesiae dos legionários de Cristo em São Paulo, construindo sua formação no seminário Santana e Santa Catarina de Alexandria;
  • Em 2003, relata que “se apaixonou” pela Igreja Ortodoxa;
  • Em 2009, iniciou vida missionária e fundou a associação católica ortodoxa Theotokos em São Paulo; Ele aparece como único sócio do CNPJ dessa entidade. O endereço registrado corresponde na realidade a um supermercado atacadista na Zona Sul de São Paulo.
  • Em 2014, foi ordenado diácono da Igreja Ortodoxa; a verdade é que ele nunca foi sacerdote das igrejas da comunhão ortodoxa no Brasil. Ainda assim, ele celebra missas e batismos na Bahia e ganhou notoriedade em grupos conservadores graças ao discurso bélico contra a esquerda.
  • Em 2015, foi ordenado sacerdote;
  • Em 2020, recebeu o convite de Roberto Jefferson para reorganizar a juventude do partido e liderar o MMCPTB (Movimento Cristão Conservador do PTB);
  • Em 2021, foi eleito pelo Santo sínodo da igreja como bispo; funda o Meccla. Essa última informação, porém, não procede, uma vez que o único vínculo conhecido do bispo é com uma controversa instituição que se autoproclama Igreja Católica Apostólica Ortodoxa del Peru.

O candidato já até fez um poema dedicado a Jair Bolosonaro, em março de 2022. O mandatário publico o texto em sua conta em rede social. Dois anos antes, Kelmon foi acusado de invadir uma área de comunidades quilombola na Bahia para levantar uma igreja.

O DEBATE

Já na abertura do debate Kelmon escolheu Bolsonaro para fazer sua 1ª pergunta. Elogiou a criação do auxílio emergencial durante a pandemia e questionou se o presidente continuaria com a política em um eventual 2º mandato.

No final de sua resposta, o chefe do Executivo afirmou que toda a bancada do PT votou contra a criação do Auxílio Brasil. “Eles não têm qualquer preocupação de atender os mais humildes. Eles querem que os mais humildes sofram, para dizer que eles são os salvadores da pátria”, disse Bolsonaro. Apesar de Bolsonaro afirmar isso em rede nacional, se trata de uma mentira, pois o Partido dos Trabalhadores (PT) não votou contra o auxílio emergencial. Recentemente o Gabinete do Ódio disparou um vídeo em que mostra Lula dizendo que o PT votou favorável ao auxílio e uma reportagem da CNN mostra um painel de votação que diz ao contrário, o vídeo, no entanto, foi manipulado para confundir o eleitor.  A verdade é que o PT votou favorável ao auxílio emergencial e votou contra a PEC dos Precatórios.  

A pergunta de Kelmon foi pensada para Bolsonaro dar um show de fake news para levantar seu eleitorado. 

Durante a réplica, Kelmon acompanhou o presidente nas críticas à esquerda e ao PT. “Nós sabemos qual é o plano da esquerda. Nós sabemos que a esquerda quer calar a voz dos padres, quer calar a voz da Igreja. Uma esquerda que segue a Agenda 2030. Uma esquerda que denigre aqueles que querem fazer o bem”, declarou o candidato. A "agenda 2030" citada pelo candidato se refere ao plano da Organização das Nações Unidas com 17 Objetivos e 169 Metas para todas as nações do mundo visando um desenvolvimento sustentável. A Agenda 2030 da ONU é o documento que apresenta como a organização determina que deva ser feito.

O foco desta agenda seria sensibilizar as pessoas, as empresas, os governos e as nações para a necessidade de uma mudança, alegando:

  • Acabar com a pobreza;
  • Acabar com a violência em suas diversas dimensões;
  • A proteção do meio ambiente;
  • Garantir que todos possam ter o direito assegurado de paz e prosperidade.

Não foi possível compreender por que isso seria "negativo", seguindo a lógica de pensamento do candidato. 

Ao ser questionado por Soraya Thronicke (União Brasil), se não se arrependia por defender a gestão de Bolsonaro da pandemia, Kelmon afirmou que ela e “outros candidatos” deveriam se arrepender de mentir aos eleitores. Ele criticou a principal proposta da candidata, a criação de um imposto único, e defendeu a redução “do Estado inchado”.  

“Você, eleitor, precisa ficar bem atento a esse tipo de proposta de candidatos falaciosos que só estão aqui tentando te enganar. Essa é a verdade. Reduza o tamanho do Estado, deixe o Estado pequeno, vai sobrar dinheiro, para que esse dinheiro volte para a educação e para a saúde”, disse sem explicar como faria isso. 

Kelmon se descontrolou quando Thronicke afirmou que ele estaria no debate como “cabo eleitoral de Bolsonaro”, o que causou a paralisação do debate por alguns segundos. Ao expor as mortes e outras consequências da covid-19, a candidata também questionou se o padre não teria “medo de ir para o inferno”. O suposto padre usou do seu posto religioso para cobrar sumissão de Thronicke: 

“Medo de ir para o inferno eu não tenho, porque todos os dias eu morro um pouquinho de mim mesmo para viver o evangelho, coisa que a senhora não sabe o que é. Se a senhora soubesse o que é, a senhora não estava desrespeitando um padre. Mandando um padre ir para o inferno”, disse Kelmon.

O padre ao longo do debate repitiu "jargões" bolsonaristas ouvidos desde a eleição de 2018. Ao debater educação com Ciro Gomes (PDT), o candidato do PTB afirmou que “as universidades públicas viraram fábricas de militantes a serviço do PT” e defendeu investimento em educação básica.

O suposto sacerdote voltou a se irritar quando Thronicke o perguntava sobre combate ao racismo e afirmou que Kelmon era um “padre de festa junina”. “Sobre imposto único, vi que o senhor não estudou. O senhor está parecendo mais o seu candidato que é nem-nem, nem estuda e nem trabalha. O senhor não estudou. E dizer mais: não deu extrema-unção, porque o senhor é um padre de festa junina”, declarou a Thronicke.

No 4º bloco, Bolsonaro e Kelmon fizeram nova tabelinha, desta vez sobre a Lei Rouanet, um dos principais instrumentos de fomento à cultura do país. O petebista afirmou que em outros governos, o dinheiro destina a perfomance: "Macaquinhos", que aconteceu no Sesc Cariri (Ceará) em 2015. A performance, porém, nunca recebeu recursos da Lei Rounet, recebeu na verdade incentivo do "Sistema S". Apesar da crítica radical do Padre, essa mesma performance foi reencenada já durante o governo Bolsonaro, em 16 de fevereiro de 2019, às 21h, na Rua Palmorino Mônaco, 540, em São Paulo.  

Bolsonaro não teve coragem de chamar Lula (PT) para o embate, mas escalou Kelmon para abordar o tema "corrupção nos governos petistas". O padre questinou se "Lula era o chefe" dos supostos desvios de dinheiro público.  

Lula tentou responder, mas foi interrompido por Kelmon, o que levou o apresentador do debate, William Bonner, a repreender a atitude do petebista.

“Candidato Kelmon, eu não consigo entender. Eu já falei algumas vezes. O senhor compreendeu que tem regras o debate, o senhor concordou com elas, e que basta cumpri-las? Quando o seu adversário está falando é só o senhor aguardar. O senhor vai ter direito à réplica. É assim que funciona. Por favor. Em respeito ao público” , alertou Bonner.

Ao retomar sua fala, Lula afirmou que o petebista era um candidato “laranja“, sem respeito à regra. “Candidato laranja faz o que quer”, declarou o ex-presidente, que seguiu comentando sobre os processos enfrentados por ele na Operação Lava Jato.

Lula, então, chamou o Kelmon de “mentiroso” e “irresponsável” e afirmou que o petebista estava “fantasiado” de padre. Kelmon cobrou respeito e ambos começaram uma discussão. Nesse momento, os microfones foram cortados e a câmera voltou para Bonner, que pediu desculpas ao público. 

“Peço desculpas ao público pela cena que neste momento está se desenrolando aqui, porque, infelizmente, não está havendo o cumprimento de um ordenamento que tinha sido feito, de uma combinação de todos os candidatos” , disse o apresentador.

Bonner pediu calma aos candidatos e o debate foi retomado com críticas de Kelmon a líderes da esquerda latino-americana, como o cubano Fidel Castro e o nicaraguense Daniel Ortega.

Em sua tréplica, Lula disse que Kelmon “não deveria se apresentar como candidato” e afirmou que o adversário tinha o “comportamento de um fariseu”.

“Eu não estou vendo na sua cara um representante da igreja. Eu estou vendo um impostor. Estou vendo alguém disfarçado aqui na minha frente, que eu não sei como é que conseguiu enganar tanta gente. Talvez porque o seu chefe não pode ser candidato, você resolveu ser o candidato laranja”, disse Lula. Isso porque o extremista de direita, Roberto Jefferson, ex-cabeça de chapa, teve sua candidatura barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Kelmon foi colocado no lugar para o PTB não perder o Fundão Eleitoral.

Kelmon gastou R$ 1,2 milhão — 97% do dinheiro público que obteve para campanha — com uma empresa de um aliado do ex-deputado, a B2C Marketing. A firma não funciona no endereço que declara à Receita Federal, também não tem um site e, até agora, só prestou serviço para mais dois candidatos do próprio partido.

A B2C Marketing pertence a Ezequiel Bruno Cortez Gonzaga, que tem um longo histórico de negócios com o PTB. Bruno Cortez, como é conhecido, mora em Brasília e já ocupou um cargo de confiança na Câmara da cota do partido, em 2005, quando Roberto Jefferson ainda era deputado federal.

Antes, Cortez já havia recebido recursos do PTB como funcionário de outra empresa, a D'uart Produtora de Filmes e Eventos, fornecedora que apenas em 2021 ganhou R$ 746 mil da legenda.

Além de Kelmon, Felipe d’Ávila foi outro que esteve como aparente cabo eleitoral de Bolsonaro no debate desta noite.

Os colunistas do O Globo avaliaram que a senadora de Mato Grosso do Sul, Simone Tebet (MDB), foi a única a faturar politicamente nesta noite. Eis os comentários:  

VERA MAGALHÃES

"Difícil ver vencedor num debate que começou com voadoras e que mesmo quando foi pedido que os candidatos debatessem sobre questões programáticas eles se desviaram delas. Mas Simone Tebet deu uma aula de civilidade e maturidade ao fugir da armadilha de Bolsonaro". 

CARLOS ANDREAZZA

"Debate de baixo nível, saqueado pelos direitos de resposta e pelo velho personalismo. Símbolo da rinha: o padre laranja. Cumpriu seu papel. Difícil avaliar vencedor. Estamos exaustos. Para Lula e Bolsonaro, se vieram para ganhar votos decisivos, nada arrumaram". 

ASCÂNIO SELEME

"Resumo do debate: a eleição de domingo não foi decidida esta noite. Qualquer vento, que sopre de lá para cá ou daqui para lá, pode significar vitória de Lula no primeiro turno ou avanço de Bolsonaro para o segundo turno".

MALU GASPAR

"Nada do que fizeram ou disseram Bolsonaro e Lula na madrugada de quinta para sexta foi suficiente para dirimir os dilemas do indeciso ou do nem-nem (nem Lula, nem Bolsonaro) que resiste a dar um voto para encerrar a eleição já no primeiro turno. Pelo contrário. De todos os candidatos, a que melhor aproveitou a noite para expor suas plataformas foi Simone Tebet, a quarta colocada nas pesquisas". 

BERNARDO MELLO FRANCO

"O que faltou no debate: um embate direto entre Lula e Bolsonaro, que só duelaram nos direitos de resposta. O que sobrou no debate: os nanicos Felipe d’Ávila e Padre Kelmon, que só fizeram escada para o presidente". 

FONTES: