20 de abril de 2024
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Ex-presidente da OAB/MS combateu esquadrão da morte e foi autora de pedido de impeachment de Lula

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Ela foi a única mulher que ocupou a presidência da OAB em Mato Grosso do Sul. Para a advogada Elenice Pereira Carille foi um desafio iniciar sua gestão durante o primeiro ano da nova Constituição Brasileira (1988), enfrentar um esquadrão da morte que envolvia a Polícia Federal e ainda estar à frente dos primeiros trabalhos de defesa de direitos humanos, com denúncias de trabalho escravo em fazendas. Tudo isso com dois filhos, um menino e uma menina, pequenos.

Elenice foi presidente da OAB/MS em dois mandatos: de 1989 a 1992, já que na época o mandato era de dois anos. “Me escolheram após nosso grupo ter várias derrotas, de muitos votos. Um colega disse: a Elenice foi professora, precisamos ter um candidato para fortalecer o grupo, senão vamos perder sempre”. Segundo ela, a campanha foi feita “com trabalho de formiguinha”: “Um dia cheguei em Nova Andradina sozinha e sem conhecer ninguém. Encontrei um colega na saída do Fórum e disse que era candidata à presidência da OAB. Ele me olhou sem entender, acho que ficou sensibilizado e marcou uma reunião com outros advogados da cidade. Fui bem votada lá. Graças a esse trabalho de formiguinha. As pessoas estavam carentes de oposição na época. E eu era o azarão”, explica.

Sobre ser uma mulher no cargo, ela disse que nunca teve dificuldades: “Eu nunca vi nenhuma forma de preconceito”, ressalta. Com dois filhos pequenos, ela teve muito trabalho no primeiro ano de sua gestão, já que foi o ano de estreia da Carta Magna Brasileira: “A Constituição tinha acabado de ser promulgada e precisávamos de muitos cursos, palestras, congressos para os advogados. Eu ia até o Conselho Federal e trazia muitos juristas, foi um período muito bom”, recorda. 

O trabalho também coincidiu com o início da Comissão de Direitos Humanos da OAB, que tanto se destaca na atuação da Ordem: “Chamei o Ricardo Brandão para trabalharmos e começamos, era algo muito novo, ninguém havia trabalhado com isso ainda. E uma das primeiras questões foram as relacionadas ao trabalho escravo. Íamos às fazendas com gente vivendo em situação de escravidão”. 

“Quando advogado ia reclamar de algum magistrado, íamos para buscar explicações. Foram muitas brigas. Não podíamos deixar que houvesse desrespeito entre os operadores do Direito, as carreiras jurídicas são iguais, o advogado, o juiz, o promotor, devem se respeitar igualmente”, comenta, relatando casos que recebia dos advogados, como juízes que "quase expulsavam advogados aos tapas de audiências". 

Em 1990, Elenice esteve no centro da denúncia de que um esquadrão da morte operava na Polícia Federal em Mato Grosso do Sul. Ela foi procurada por policiais dispostos a denunciar a barbárie. Um deles, José Júlio Pereira, se dizia ameaçado dentro da PF e foi assassinado antes de depor oficialmente. “Houve omissão da polícia e meu sentimento é de impotência diante de tanta impunidade”, lamenta. Ela foi ameaçada, representantes do Governo Federal a procuraram para cuidar de sua segurança e mesmo assim, foi em frente. Em 1994, os depoimentos levaram ao afastamento do superintendente da PF em Mato Grosso do Sul, Roberto Alves.
Impeachment
Em 2005, quando era Conselheira Federal da OAB, Elenice apresentou proposta de impeachment ao então presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, por conta do escândalo do mensalão. Ela defendeu que Lula sabia do esquema, tendo inclusive se beneficiado dessa prática, e incorreu em crime de responsabilidade. 


“A ignorância criminosa dos fatos, que invoca o presidente da República, importa em crime por omissão, em crime que não deixa impressão digital e que não deixa qualquer prova material, mas nem por isso deixa de ser crime”, afirmou na época. 

No material, ela já citava o suposto enriquecimento da família do petista. A maioria dos conselheiros, contudo, considerou não ser o momento para pedir o afastamento de Lula. 
“Neste momento sim (seria uma aventura), não temos uma posição concreta dentro da casa sobre as denúncias que estão sendo veiculadas”, declarou o então presidente da OAB Nacional, Roberto Busato. “O meu trabalho eu fiz. Como sempre. Queria até encontrar alguns dos conselheiros, do relator. Lá eu até citava o fato do filho do presidente fazer um negócio milionário e ele (Lula) dizer que não sabia”, revela. 

Após seu trabalho na presidência e na advocacia, principalmente na parte de assistência aos advogados, ela não voltou a ocupar a presidência e nenhuma outra mulher ocupou o cargo. “Não teve outra mulher presidente pois nenhuma foi candidata”, acredita. Ela apoiou diversos candidatos que foram eleitos e diz que gosta de fazer campanha, mesmo sem concorrer. Neste pleito, apoia o candidato Jully Heyder, “que também defende o combate à corrupção”, conta. “Sempre gostei de campanha. Meu filho disse, antes de falecer (em acidente automobilístico), que adorava a OAB, gostava da campanha, participar da apuração de votos. Então, acho que meu trabalho valeu a pena”.