27 de julho de 2024
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GESTÃO BOLSONARISTA

Ex-governo incinerou R$ 13,5 milhões em remédios que tratariam doenças raras

Veja a lista de terapêuticos que foram incinerados

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O ex-governo de Jair Bolsonaro (PL) incinerou R$ 13,5 milhões em remédios que seriam usados no tratamento de doenças raras no Brasil. Os dados são da Folha de São Paulo. 

Obtidos por meio da Lei de Acesso a Informação, os detalhamentos internos Ministério da Saúde que estavam sob sigilo desde 2018, mostram que até o final de 2022, a pasta deixou vencer 39 milhões de vacinas contra a Covid-19.

Há entre os intens perdidos duas doses do Spinraza, cada uma comprada por R$ 160 mil pelo ex-governo federal. Usada para pacientes com AME (atrofia muscular espinhal), a terapia é uma das mais caras do mundo.

Associações de pacientes dizem que o estoque perdido mostra má gestão do ex-governo. A falta do tratamento pode levar pacientes à morte, afirmam ainda as mesmas entidades.

Excluindo as vacinas contra a Covid, os dados apontam que já foram descartados produtos avaliados em R$ 214,2 milhões desde 2019 (valor que inclui imunizantes contra outras doenças). Outros insumos, de mais R$ 38 milhões, ainda estão na fila da incineração.

Entre os itens perdidos estão vacinas de diversos tipos — contra sarampo e rubéola, pentavalente, hepatites e tríplice viral — além de medicamentos contra câncer, hepatite C e outras doenças.

Também foram inutilizados testes e medicamentos destinados a pessoas que vivem com HIV avaliados em R$ 8,5 milhões.

O ex-governo apresentava como uma de suas bandeiras o cuidado com as doenças raras. Em 2021, o Ministério da Saúde lançou a nova mascote do SUS, identificada como Rarinha, em cerimônia com a então primeira-dama Michelle Bolsonaro.

A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ao lado da mascote Rarinha - DivulgaçãoA primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ao lado da mascote Rarinha - Divulgação

Entre os medicamentos para doenças raras, foram descartadas ainda 949 unidades do Translarna, produto usado para pacientes com distrofia muscular de Duchenne, que causa degeneração muscular progressiva. Esses lotes custaram R$ 2,74 milhões no total.

O sigilo da pasta foi revelado no fim de fevereiro de 2023, ocasião em que a Controladoria-Geral da União (CGU) recomendou revisão da reserva de medicamentos. A pasta agora comandada por Nísia Trindade liberou, a relação de produtos descartados. "Ver essa lista de medicamentos descartados é extremamente decepcionante, pois a gente passa por muitas dificuldades para o paciente receber o tratamento", afirmou a vice-presidente do instituto Vidas Raras, Amira Awada.

Ela disse ainda que o Judiciário é "desrespeitado" com a perda dos produtos, pois muitos tratamentos são comprados pelo SUS após decisões da Justiça. "A gente está falando de doenças degenerativas, que podem levar o indivíduo à morte sem o medicamento no momento adequado. Em tratamentos de uso contínuo, sempre há um agravamento da doença com a interrupção, e essa piora não é recuperada", afirmou ainda Awada.

Os dados apresentados pelo Ministério da Saúde não permitem afirmar que a totalidade dos produtos foi descartada por causa do fim da validade. Em alguns casos, medicamentos podem ter sido reprovados em testes de controle de qualidade ou inutilizados por causa do armazenamento incorreto.

Integrantes do governo Lula (PT) afirmam, porém, que a maior parte dos insumos foi incinerada após o fim da validade. Além disso, dizem que outros produtos podem estar vencidos no estoque e ainda serão encaminhados para o descarte.

O ex-governo também incinerou medicamentos para diferentes tipos de mucopolissacaridose, avaliados em cerca de R$ 2,9 milhões.

Esse tipo de doença pode causar limitações em articulações, problemas respiratórios e cardíacos, hérnias, entre outras dificuldades, além de levar à morte prematura.

Moysés Toniolo, representante da Articulação Nacional de Luta contra a Aids (Anaids), afirmou que há drogas usadas por crianças que vivem com HIV entre os itens descartados, além de produtos de alto custo. "Os medicamentos são fundamentais. É um caso gravíssimo que precisa ser levado a autoridades para penalização administrativa, civil e criminal. Lamento que somente agora a gente teve conhecimento desse documento", disse ele.

Presidente da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (Febrararas), Antoine Daher disse que a entidade propôs ao ex-governo Bolsonaro mecanismos para melhorar a distribuição dos medicamentos, por exemplo, redistribuindo frascos que não foram usados. "Fizemos a proposta, e infelizmente o ministério, depois que aplaudiu a ideia, não levou adiante", lembrou Daher, que é pai de um paciente com síndrome de Hunter.

"Chamo isso de desastre. Medicamentos de alto custo sendo jogados no lixo, com pacientes morrendo, necessitando dos tratamentos. Não é por falta de aviso. É falta de responsabilidade com a vida das pessoas", disse Daher.

Em nota, o Ministério da Saúde disse que o "cenário de desperdício" de vacinas, medicamentos e outros insumos "reflete o descaso do governo anterior".

A pasta disse que o ex-governo Bolsonaro não compartilhou dados sobre os produtos armazenados antes da posse. Também disse que busca adequar esses estoques, além de "solução pactuada" com estados e municípios para evitar novas perdas.

O ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga afirmou que não tem dados sobre estoques e que essas informações ficam sob cuidado das áreas técnicas.

Já Luiz Henrique Mandetta, primeiro ministro da Saúde do governo Bolsonaro, disse que período em que comandou a pasta houve esforço para adequar a gestão dos estoques, ao transferir os produtos de armazéns no Rio de Janeiro para uma central em Guarulhos, na Grande São Paulo.

Ele disse ainda que muitas compras são feitas por estimativa de demanda, como em campanhas de vacinação, e que o uso depende da adesão da população.

Procurado, o atual deputado federal Eduardo Pazuello, que também foi ministro da Saúde no governo Bolsonaro, não se manifestou.

DESPEDÍCIO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO

A lista de terapeuticos que servem para doenças raras e foram incinerados: 

Translarna

  • Tratamento: distrofia muscular de Duchenne
  • Unidades incineradas: 949
  • Valor: R$ 2,74 milhões

Betagalsidase

  • Tratamento: doença de Fabry
  • Unidades incineradas: 259
  • Valor: R$ 2,46 milhões

Eculizumabe

  • Tratamento: hemoglobinúria paroxística noturna
  • Unidades incineradas: 127
  • Valor: R$ 1,73 milhão

Vimizim

  • Tratamento: mucopolissacaridose IVA
  • Unidades incineradas: 632
  • Valor: R$ 1,61 milhão

Galsulfase

  • Tratamento: mucopolissacaridose VI
  • Unidades incineradas: 283
  • Valor: R$ 1,24 milhão

Alfagalsidase

  • Tratamento: doença de Fabry
  • Unidades incineradas: 272
  • Valor: R$ 1 milhão
  • Metreleptina

Metreleptina

  • Tratamento: síndrome de Berardinelli-Seip
  • Unidades incineradas: 47
  • Valor: R$ 1,1 milhão

Idursulfase

  • Tratamento: síndrome de Huner
  • Unidades incineradas: 186
  • Valor: R$ 985 mil

Nusinersen (Spinraza)

  • Tratamento: atrofia muscular espinhal (AME)
  • Unidades incineradas: 2
  • Valor: R$ 319 mil

Nitisinona

  • Tratamento: tirosinemia hereditária do tipo 1
  • Unidades incineradas: 1.200
  • Valor: R$ 229 mil

Alentuzumabe

  • Tratamento: esclerose múltipla
  • Unidades incineradas: 2
  • Valor: R$ 56 mil

Kanuma

  • Tratamento: deficiência de lipase ácida
  • Unidades incineradas: 1
  • Valor: R$ 23 mil

Total perdido: R$ 13,5 milhões