26 de julho de 2024
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INCONFORMISMO NA PISTA

Grupo de extrema direita bloqueia ruas e repete o que condenava na esquerda

Em escancarado ato antidemocrático, manifestantes contestam eleição de Lula e pregam ruptura institucional

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"Todos os patriotas, aqui é o pastor Anderson, líder do Guardiões da Nação, do Abrapa, do Instituto Endireita Brasil, nós estamos convocando a todos, a partir das 16 horas fazermos uma grande concentração em frente ao CMO, aqui em Campo Grande. Todos os campo-grandenses, nós vamos nos reunir hoje na frente do CMO. Toda liderança da direita estará lá pra juntos darmos a voz aí, realmente, a esse movimento que tem que acontecer. Nós não podemos permitir que o comunismo assuma o Brasil. Assimilamos o baque, não adianta ficar chorando. Agora nós temos que ir para a frente e continuar nossa luta. A nossa luta é hoje a partir das 16 horas em frente ao CMO. Vamos todos nos reunir lá. Conto com todos os patriotas".

Nesta convocação — feita ontem, 2ª.feira (31.out.22), pelas redes sociais — a voz do áudio é a do pastor Anderson Lauro Soares de Oliveira, de 45 anos, um dos batedores locais da extrema direita bolsonarista. Vinculado a organizações conservadoras radicais, como o Guardiões da Nação, apresenta o podcast "Vozes da Direita, e é um dos principais mobilizadores da manifestos e outras ações — algumas em tom agressivo — contra a esquerda. Na chamada para o ato em frente ao Comando Militar do Oeste, a motivação foi iniciar um movimento de resistência e contestação à vitória do petista Lula (PT) sobre Jair Bolsonaro (PL) na disputa presidencial.

Com o mote "Deus, pátria, família e liberdade", reconhecido historicamente como assinatura de organizações fascistas no mundo, cerca de 200 manifestantes foram à Avenida Duque de Caxias protestar. Bloquearam a pista, repetindo semelhante ação de caminhoneiros que fecharam o trânsito nas estradas em 19 estados desde que os números da apuração de votos confirmaram o triunfo de Lula.  Também queimaram pneus, acionaram as buzinas, gritavam palavras de ordem contra Lula, o STF e o TSE, além de cantarem o Hino nacional e fazer orações.

Um dos porta-vozes direitistas na manifestação era o ex-candidato a vice-governador Beto Figueiró (PRTB), companheiro do deputado Capitão Contar na chapa que disputou a sucessão estadual e foi derrotada. Ele insuflou os ataques com incentivos à "resistência patriótica contra o comunismo". Uma de suas frases ameaçadoras foi enfatizar que está disposto a ir às últimas consequências "para não entregar o Brasil às mãos dessa esquerda".

RASO CONHECIMENTO

Para reivindicar intervenção militar, os manifestantes clamavam "142", uma equivocada referência a artigo da Constituição sobre o papel das Forças Armadas, o que demonstra o raso conhecimento acerca desta letra constitucional. Esse artigo não autoriza em hipótese alguma uma intervenção, como propõem os defensores de uma ruptura político-institucional, e só começou a ser invocado por deliberado artifício da base bolsonarista em seus delírios golpistas no início do mandato do presidente.

Eis o que diz o artigo 142: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Segundo o professor de Direito Constitucional Alessandro Costa, a legislação define que as forças de segurança estão sob autoridade do Estado e é permitido que ele acione o poder em caso de guerra com outros países ou em auxílio a grandes eventos, como numa Copa do Mundo.

Em 2020, a Câmara dos Deputados emitiu um parecer esclarecendo que a Constituição Federal não autoriza a intervenção militar a pretexto de restaurar a ordem: “Não existe país democrático do mundo em que o Direito tenha deixado às Forças Armadas a função de mediar conflitos entre os poderes constitucionais ou de dar a última palavra sobre o significado do texto constitucional”, frisou o texto.

DECISÃO JUDICIAL

A Justiça Federal do Estado de Mato Grosso do Sul, por intermédio do Juiz Daniel Chiareti, deferiu liminar na ação de Interdito Proibitório — na noite da 2ª.feira (31.out.22) — obrigando os caminhoneiros que estão mantendo as estradas bloqueadas, a liberarem todas as vias que cortam o Estado de Mato Grosso do Sul. Em Cassilândia, trechos da MS112, MS306 e a BR158 está com bloqueios desde a o início da manhã desta 2ª.feira.

Consta na decisão a obrigação dos caminhoneiros de se “absterem de ocupar, obstruir ou dificultar a passagem em quaisquer trechos das rodovias federais no Estado de Mato Grosso do Sul, ainda que possam exercer o direito de reunião e se manifestar às margens das rodovias de forma segura e pacífica”. 

Em caso de desrespeito à ordem de liberação, foi autorizada e determinado o emprego de força pública. Além disso, houve a fixação de multa de R$ 10 mil por pessoa física e R$ 100 mil por pessoa jurídica, em caso de descumprimento da ordem. A íntegra da decisão.