26 de julho de 2024
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CULTURA | MS

Aos 46 anos, Sabrina se tornará 1ª mestra no 'Capitães D'areia' em MS

Para chegar a tal posto, o maior inimigo dela foi o machismo

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Sabrina Bueno, de 46 anos, se tornará a 2ª mulher sul-mato-grossense mestra de capoeira e a 1ª na técnica ‘Capitães D’areia’. A cerimônia de consagração dela ocorrerá às 18h do sábado (17.set.22) no Instituto Mirim, na Rua Fábio Zahran, Vila Carvalho em Campo Grande (MS). Reportagem originalmente publicada no TeatrineTV. 

Em entrevista, ela revelou os desafios até conquistar esse posto de ‘girl master’. Entre os principais desafios está o machismo. 

Dedicada a muitas profissões, que vão da contabilidade, passando por Segurança e Saúde no Trabalho, Recursos Humanos, com pós-graduação em Terceiro Setor, Estética Corporal com Pós em Fisiologia do Corpo e Cosmetologia, Educação Física. Atualmente fazendo Pós e Avaliação Física, Ortopédica, Esportiva e Funcional, foi na capoeira que Sabrina encontrou seu propósito.   

Ela disse que começou a praticar na década de 80, quando tinha de 13 a 14 anos, e desde então, nunca mais parou. Apesar disso, para ela, a consagração é uma surpresa. “Não imaginava que chegaria a alcançar uma honra tão grande. Meu objetivo era não deixar a arte da capoeira morrer e mostrar às crianças e adolescentes essa linda arte e história chamada capoeira”, resumiu. 

Em 2015, Sabrina começou a transferir os conhecimentos adquiridos ao longo de mais de 30 anos de prática. “Inicialmente [dei aula] aos meus filhos e sobrinhos, depois para crianças de 3 a 6 anos. Hoje, para todas as idades”, detalhou. 

Atualmente, seus alunos estão em programas sociais aos quais ela integra de maneira voluntária. “Eu dou aulas em projetos sociais em duas escolas e em um Centro Comunitário. Em uma das escolas, comecei a dar aulas em 2016 e estou lá até hoje. No Centro Comunitário do Bairro Coophasul, estou dando aulas desde  2019. Antes, dei aulas no Centro Comunitário do Bairro José Abrão”, contou. 

As aulas são ministradas por ela na Escola Estadual Professor Alberto Elpídio Ferreira Dias (Prof. Tito), no Jardim Anache. E na Escola Estadual Lino Villachá, no Bairro Nova Lima.    

Para conquistar o posto de mestra ela deveria conseguir formar ao menos 1 discípulo e ela estará no sábado formando dois. “Em meu grupo para ser consagrada mestra de capoeira você precisar formar um aluno, ou seja, passar todo o seu conhecimento para um discípulo. Além de conhecer nossa história e fundamentos”, esclareceu. 

A futura mestra disse que tem como referências femininas as mestras Vanuza, do grupo Capoart de São Paulo, e a Mestra Lea, do Grupo Cordão de Ouro. “São mulheres que também chegaram lá. A mestra Vanuza é uma mulher que também é mãe e vive da capoeira, vive para a capoeira. É uma mulher que luta pela capoeira, que briga pela capoeira… a mesma coisa é a mestra Lea, uma mulher que assim como eu vem de uma família pobre, uma pessoa que lutou, que sofreu os mesmos preconceitos e sofre como eu sofro aqui em Campo Grande. Aqui em Campo Grande ainda é pior do que em São Paulo, porque o preconceito aqui em Campo Grande ainda é maior. Mato Grosso do Sul tem um preconceito muito grande, não só com a mulher na capoeira, mas com a capoeira. A mulher na capoeira acaba sofrendo duas, três vezes mais esse preconceito, por ser mulher, por ser mãe…”, comentou.

“Eu sou pequenininha, sou baixinha, o pessoal fala para mim: nossa, você joga capoeira? Ou quando chega eu e meu esposo com os meus filhos, e aí [dizemos]: nós viemos falar sobre capoeira! E o pessoal pergunta: quem é o mestre de capoeira? Sempre para eles que são homens… aí meu esposo fala: a nossa mestra é ela [Sabrina]! Aí o pessoal fala: mas você? Você é uma mulher! Uma professora capoeirista, uma mulher? Então, a gente vê muito isso ainda, sabe? Elas são referência porque venceram e ainda lutam arduamente contra esses preconceitos”, disse. 

O estilo em questão foi fundado em 1970 por Almir das Areias, depois nomeado Anande das Areias. Segundo historiadores, Anande iniciou a prática do esporte na adolescência, em Itabuna (BA). Ele teria, inclusive, sido formado pelo Mestre Luiz Medicina, descendente direto Mestre Bimba, este último, criador da Luta Regional Baiana, mais tarde chamada de capoeira regional. Anande teria se mudado para São Paulo, entre os 18 e 20 anos. Na capital paulista, ele fraturou o braço – atingido por um colega num movimento de meia lua de compasso – a fratura foi a razão pela qual ele resolveu desenvolver a técnica Capitães de Areia. Ele, por consequência, foi o primeiro mestre da técnica. Para seguir o rito, formou seu irmão, ‘Demir’.  

Conforme apurou a reportagem, a técnica na qual Sabrina será sagrada mestra, diferencia-se das demais por ser baseada nas defesas e ser tratada como um ‘jogo’. Na roda, os capoeiristas da “Capitães D’areia”, priorizam a esquiva para o lado que vai ao golpe, exigindo a proximidade dos jogadores.

O jogo, difere-se do esporte, pois nele as regras são flexíveis e adaptáveis às situações e aos componentes da roda. Para se encaixar no esporte, a prática recorre a institucionalização das regras para a prática, o que define o diâmetro da roda, tempo para o jogo e pontuação.

Na casa de Sabrina, todos os integrantes foram envolvidos pela capoeira. “Minha casa toda, minha família faz capoeira. Eu, meu esposo, meus filhos e meus sobrinhos, irmãos…”, enumerou. Inclusive, um dos dois discípulos que Sabrina está formando é seu filho. “[Estarei formando] Guilherme, meu filho caçula [de 18 anos] e o Eberson [esposo — de 46 anos]”.

Conforme Sabrina, apesar de a capoeira ser uma luta por liberdade, ao longo dos 30 anos ela sofreu com o machismo dentro e fora das rodas. “É muita coisa! Essa graduação de mestra já é muito difícil, mas para a mulher ela tem um peso muito maior, porque, nós somos muito discriminadas, somos muito ofuscadas. Embora a capoeira seja uma luta de liberdade, uma luta que veio para mostrar que as correntes precisam ser quebradas, os tabus, dentro da capoeira existe uma descriminação muito grande”.

Além de ser difícil serem reconhecidas como boas jogadoras, também é inviabilizada a graduação das mulheres. “Eu sou muito discriminada até hoje, desde que comecei a capoeira na década de 80, era muito difícil para mulher treinar capoeira naquela época, nós éramos bem poucas mulheres… hoje nós somos menos ainda professoras… temos bastante alunas? Até temos! Mas, é difícil para uma mulher chegar na graduação de professora, e depois enfrentar todas as barreiras para dar aula e não são poucas”, opinou. 

De acordo com Sabrina, com a chegada dela à titulação de mestra, abre-se precedentes para que seja combatido o preconceito de gêneros como os já vividos por ela até mesmo nas escolas onde dá aulas gratuitas. “Aconteceu comigo, quando eu comecei a dar aula numa das escolas que eu leciono, a turma chegou e falou: é uma mulher? Quem vai ensinar capoeira é uma mulher? Na 1ª reunião dos pais todo mundo falou: mas é uma mulher que dá aula de capoeira? Então, é bem complicado”.

O estilo ‘Capitães D’areia’, em 1970, foi inovador ao dar aos cordões nomes que marcaram a luta dos negros contra a escravidão para que isso não fosse apagado pelas narrativas de pessoas brancas. São 8 cordões para chegar ao posto de mestra:

  • 1º estágio – Escravo, na cor Cinza;
  • 2º estágio – Nego Fujão, nas cores Cinza e Bege;
  • 3º estágio – Quilombola, na cor Bege;
  • 4º estágio – Andarilho, nas cores Bege e Vermelho;
  • 5º estágio – Liberto, vermelho;
  • 6º estágio – Formado em Capoeira, nas cores Cinza, bege, vermelho e branco;
  • 7º estágio – Professor de capoeira, nas cores  Vermelho e Branco; e,
  • 8º estágio – Mestre de Capoeira, na cor Branca.

Em Campo Grande, Sabrina praticou capoeira com Isaías Ramos Maior — mestre Profeta — que por sua vez foi titulado pelo Mestre Mato Grosso. E sua formação está saindo pela Academia Porto da Barra, do Ronaldo Luiz de Lima — Mestre Bradesco — que por sua vez, foi titulado pelos mestres Valdir e Demir.

Após ser sagrada mestra, Sabrina diz que continuará a oferecer aulas nas ações sociais. “Continuo nos mesmos lugares, as aulas são gratuitas, somos todos voluntários e fazemos isso com muito amor”, finalizou.