07 de maio de 2024
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POLÊMICA | SETEMBRO AMARELO

Sem licitar, UFMS paga de R$ 51,2 mil para coach 'preferido' e nega debate sobre suicídio

Paulista foi escolhido para ministrar palestra em MS, apesar disso não tem formação na área, mesmo debatendo em uma universidade pública

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A Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) contratou e pagou R$ 51,2 mil para o coach Karim Khoury, cujo nome completo é Karim Albert El Khoury: paulista, administrador e consultor de empresas. Em 1º de setembro, Karim fez uma palestra integrando a campanha do ‘Setembro Amarelo’. A medida foi criticada por lideranças estudantis e órgãos de psicologia, já que Karim não tem formação na área de psicologia. A universidade, porém, diz que ele conduziu palestra sobre “Liderança” e nega que debateu suicídio.  

O profissional se diz coach de líderes. Ele já escreveu alguns livros em que usa argumentos lógicos para dizer que as pessoas devem lutar contra as vozes da cabeça. Isso, no entanto, de acordo com psicólogos é o pior a se dizer a uma pessoa em depressão, pois ela pode acreditar se tratar de uma fraqueza pessoal, quando, segundo os especialistas, na verdade trata-se de uma doença. 

Apesar da revolta do Centro Acadêmico (C.A.) de Psicologia, do Diretório Central dos Estudantes (DCE), da Liga Acadêmica em Psicologia da Saúde e da Associação dos Docentes da UFMS (ADUFMS), em que dizem repudiar a contratação de Karim para tal palestra veiculada na rádio da UFMS, com teor de debate sobre depressão, a UFMS diz que não é verdade que ele tenha debatido sobre isso.

“Karim fala para não acreditar nas histórias da sua cabeça, dizer isto para alguém em sofrimento chega a ser violento, uma vez que o sujeito não escolhe sentir isso, o que só aumenta seu sentimento de culpa”, diz trecho de um nota de repúdio conjunta assinada pelas entidades que criticam a contratação de Karim pela universidade pública de MS. 

O coach vem se tornando o 'preferido da UFMS' quando se trata de palestras. Não é a primeira vez que Karim é contratado para serviços junto a Universidade. Em 4 de maio de 2019 ele recebeu R$ 50 mil também para ministrar palestra de “Liderança” e assim como em 2021, a universidade dispensou licitação se apoiando no Artigo 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (Lei de Licitação). Um mês antes de receber a bolada, Karim Khoury foi recebido na UFMS pelo reitor Marcelo Turine, pela pró-reitora de Gestão de Pessoas Carmem Borges Ortega e pela chefe da Coordenadoria de Recrutamento e Desenvolvimento Gisele Sanches.

Em 17 de março de 2021, o coach abriu a semana de Recepção de Calouros 2021 da UFMS, palestrando sobre o tema “Perfil do profissional de sucesso: como se destacar no mercado de trabalho”. Apesar de ter 5 livros lançados, Karim não é recorrente em palestras em universidades.  

Ao analisar o contrato de 2021, a reportagem apurou que a empresa do coach, a Acordo Treinamento e Desenvolvimento Eireli, foi contratada para palestrar no Programa de Capacitação de Gestores da UFMS. Apesar disso, Karim fez a palestra "Você na sua Melhor Versão" ao vivo na rádio integrando a programação do ‘Setembro Amarelo’, isso, porém, não foi citado no edital de dispensa de licitação. Perguntamos à UFMS se houve uma mudança no objeto do contrato. 

O valor pago à Karim é próximo do que se paga ao palestrante mais conhecido do Brasil, o professor Mario Sergio Cortella, no caso dele, uma palestra custa em média R$ 70 mil. 

O QUE DIZ O ARTIGO 25

Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

1º- Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

2º- Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.

AS PARTES

O MS Notícias enviou diversas perguntas à UFMS, entre elas a reportagem quis saber: o porquê da preferência de Karim, figura recorrente em contratações sem licitação? No que se baseia a escolha do coach Karim Khoury ao ambiente acadêmico em MS, sendo ele de São Paulo e sem nem mesmo ter formação para tal? A Universidade não possui em seu quadro de profissionais, alguém capacitado com formação na área para as ações? Se sim, por que não escolheu estes profissionais? O ADUFMS entende como um desrespeito aos profissionais a contratação de Karim Khoury para falar sobre como lidar com a doença psicológica em questão. Como compreende a UFMS? É natural a contratação de pessoas sem formação para ensinar alunos no ambiente acadêmico da UFMS? De onde vem o recurso que está pagando Karim Khoury? Fale sobre a parceria com o coach Karim Khoury, quem sugeriu o nome do profissional e seus serviços? 

A universidade se limitou a dizer que o contrato celebrado com o profissional Karim Khoury não é sobre prevenção ao suicídio ou saúde mental, e sim sobre liderança e atenção plena na gestão, temas administrativos. E não quis responder as perguntas dizendo que as denúncias não são verdadeiras. “Portanto, as informações contidas em suas perguntas não são pertinentes e nem verdadeiras”, argumentou.

Procurada, a ADUFMS disse que o evento foi realizado no lançamento do setembro amarelo na UFMS, referente a prevenção ao suicídio e saúde mental. “Esta resposta é a forma de distorcer a realidade”, rebateu.

A reportagem tentou contato ao telefone com Karim, para perguntar se ele se acha capacitado para debater saúde mental, mas as ligações não foram atendidas. O espaço fica aberto para futuras manifestações.