Na última recessão pela qual passou, o Brasil registrou aumento no número de mortes em municípios onde houve menos gasto com assistência social e atenção à saúde. O desemprego mais alto foi responsável por mais de 30 mil mortes adicionais entre 2012 e 2017.
Essa é a constatação de um artigo elaborado por sete pesquisadores, entre brasileiros e estrangeiros, publicado no fim do ano passado na revista Lancet Global Health.
Para surpresa dos autores, o texto começou a ser compartilhado por pessoas que defendem o fim da quarentena, como argumento de que o isolamento social poderia prejudicar a economia e portanto levar a mais mortes.
Os pesquisadores correram para dizer que as conclusões do artigo estavam sendo distorcidas e argumentaram que a discussão sobre salvar vidas ou a economia é um falso dilema.
Um dos responsáveis pelo estudo, o epidemiologista Rômulo Paes de Sousa, pesquisador da Fiocruz, disse à BBC News Brasil que "as pessoas querem fazer contraposições que não são reais, como: morrer infectado ou morrer como consequência do desemprego". Ele diz que, na verdade, as mortes dependem da resposta do governo para conter a epidemia e os efeitos dela.
"O Brasil ficou infantilizado do ponto de vista político. Discutimos coisas que não fazem sentido. Uma delas é: 'preciso que a gente saia logo do isolamento porque aí a economia vai voltar e vamos prevenir mortes no futuro em função da recessão'. Isso não faz o menor sentido. Se você sai de forma desorganizada, descontrolada, as pessoas vão se contaminar e vão começar a morrer."
Em países ricos, recessões passadas trouxeram redução da mortalidade, que pode ser explicada por redução em acidentes de trânsito, doenças hepáticas e doenças cardiovasculares nesses períodos.
Uma possível explicação para essas reduções é que o declínio da produtividade durante as recessões resulta em menor participação em atividades prejudiciais, como direção e consumo de álcool, redução do horário de trabalho e aumento do tempo gasto em atividades saudáveis.
Em países de baixa e média renda, no entanto, as tendências são diferentes.
A partir de dados do Ministério da Saúde, do Ministério de Desenvolvimento Social, do IBGE e do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Siops), de 2012 a 2017, os pesquisadores decidiram verificar a relação entre recessão, desemprego e mortalidade nos municípios brasileiros.
O resultado verificado foi que a recessão brasileira contribuiu para aumentos da mortalidade, mas que gastos com saúde e proteção social mitigaram os efeitos prejudiciais à saúde, especialmente entre populações vulneráveis.
Eles identificaram que os aumentos no desemprego não foram associados a aumentos na mortalidade em municípios com maiores gastos com assistência médica e proteção social.
"Nossas descobertas destacam a importância de sistemas de proteção social apropriados nacionalmente para proteger populações em risco dos impactos adversos à saúde das recessões econômicas nos países de média e baixa renda", apontam os autores.
A mortalidade por todas as causas aumentou entre brasileiros pretos e pardos, homens, e indivíduos de 30 a 59 anos de idade.
Isso tem a ver, segundo os autores, com evidências anteriores de que os brasileiros negros e pardos têm maior probabilidade de ter um emprego informal do que os brasileiros brancos, têm renda mais baixa do que os brasileiros brancos empregados no mesmo cargo, e que têm mais chances de estar na pobreza, dependendo de investimento público em saúde e programas de proteção social.
O estudo aponta que renda mais baixa, maior risco de problemas de saúde relacionados à pobreza e aumento do estresse psicossocial estão entre os fatores que podem ter contribuído para o aumento da mortalidade durante a recessão.
As mais de 30 mil mortes adicionais que ocorreram devido ao aumento do desemprego de 2012 a 2017, segundo os pesquisadores, foram principalmente devido a câncer e doenças cardiovasculares.
Devido ao artigo, Paes de Sousa diz que muitas pessoas têm perguntado a ele qual será a quantidade de mortes devido à nova recessão que o país deve viver como consequência da pandemia. Ele pondera, no entanto, que o contexto é diferente e que é necessário, primeiro, focar em questões como: saber a quantidade de mortes devido à covid-19, se os sistemas de saúde entrarão em colapso, e as políticas para reduzir os efeitos da crise.
"A recessão não acontece de forma exclusiva", afirmou, ao comentar o cenário atual.
Leia mais em: Terra