26 de julho de 2024
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LAVAJATISTA

Especialistas consideram correta a cassação de Deltan Dallagnol

Ex-procurador tentou 'burlar' a legislação eleitoral

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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu por unanimidade cassar o registro de candidatura do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), na 3ª.feira (16.mai.23). Em que entrevista ao Estadão, nesta 4ª.feira (17.mai.23), especialistas consideraram que o TSE, por meio da Lei da Ficha Limpa, tomou a decisão correta.  

De acordo com a acusação, as condutas de Deltan incidem nas inelegibilidades descritas no artigo 1º, inciso I, alíneas “g” e “q”, da Lei de Inelegibilidade (Lei nº 64/90). Portanto, no ato de registro de candidatura, ele estava inelegível.

Deltan não podia ser candidato, pois responde a processos administrativos por crimes cometidos à frente da extinta Operação Lava Jato. A federação Brasil da Esperança (PT-PC do B-PV) no Paraná e o Partido da Mobilização Nacional (PMN), enviou o pedido de cassação à Suprema Corte Eleitoral.  

Os crimes cometidos pelo ex-procurador da República foram revelados pelo site The Intercept Brasil, por meio da divulgação de conteúdos com mensagens trocadas entre procuradores da força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba, e tramóias jurídicas articuladas por Dallagnol e o então juiz Sérgio Moro, agora Senador, que também deve entrar no radar do TSE. A denúncia jornalística ficou conhecida como 'Vaza Jato'

UNÂNIMIDADE

Ao declarar seu voto, o relator ministro Benedito Gonçalves, ressaltou que a alínea “q” do  artigo 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/1990 foi introduzida pela Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010) no sentido de que os candidatos sejam suficientemente probos e estejam aptos a exercer cargos eletivos. 

No voto, Benedito Gonçalves citou ainda o artigo 14, parágrafo 9º, da Constituição Federal, que define que lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

De acordo com o ministro Benedito Gonçalves, houve fraude à lei, caracterizada “pela prática de conduta que, à primeira vista, consiste em regular exercício de direito amparado pelo ordenamento jurídico, mas que, na verdade, configura burla com o objetivo de atingir a finalidade proibida pela norma jurídica”. 

O relator lembrou que, no caso dos autos, é de conhecimento público que o candidato é ex-integrante do Ministério Público Federal (MPF). “É inequívoco que o recorrido, quando de sua exoneração a pedido, já havia sido condenado às penas de advertência e censura em dois PADs findos, e que, ainda, tinha contra si 15 procedimentos diversos em trâmite no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para apurar outras infrações funcionais”, disse.

O ministro declarou que a somatória de cinco elementos, devidamente concatenados e contextualizados, revela de forma cristalina que “Deltan exonerou-se do cargo com o intuito de frustrar a incidência de inelegibilidade da alínea ‘q’ da LC nº 64/90 e, assim, disputar as Eleições 2022”. 

Segundo o relator, os aspectos caracterizadores da fraude, entrelaçados de forma  temporal, fática, e jurídica, podem ser assim resumidos: existência de dois PADs, com trânsito em julgado, nas quais o CNMP aplicou a Deltan; tramitar contra o recorrido 15 procedimentos de natureza diversa (tais como reclamações), que, em virtude de sua exoneração, foram arquivados, extintos ou paralisados, cabendo salientar que esses procedimentos poderiam vir a ser convertidos em PADs. De acordo com o ministro, os fatos ocorridos no âmbito da Operação Lava Jato se enquadram em hipóteses legais de demissão por quebra de dever de sigilo e de decoro, bem como pela prática de improbidade administrativa. 

Gonçalves ainda citou que um dos procuradores da República que atuaram com Deltan na Operação Lava Jato foi apenado com demissão pelo CNMP no dia 18 de outubro de 2021, em PAD instaurado em virtude de outdoor instalado em homenagem à força-tarefa, com fotografia na qual Deltan também aparece. Apenas 16 dias depois, em 3 de novembro de 2021, Dallagnol pediu exoneração 11 meses antes das eleições, mas os membros do MP apenas precisam se afastar do cargo faltando seis meses para o pleito (artigo 1º, II, “j”, da LC 64/90), ou seja, para as Eleições 2022, no dia 2 de abril de 2022.

“Dallagnol antecipou sua exoneração em fraude à lei. Ele se utilizou de subterfúgios para se esquivar de PADs ou outros casos envolvendo suposta improbidade administrativa e lesão aos cofres públicos. Tudo isso porque a gravidade dos fatos poderia levá-lo à demissão”, resumiu. 

Os ministros seguiram o voto do relator do caso,, que considerou que o deputado antecipou sua demissão do cargo de procurador no Paraná para evitar uma punição administrativas do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a qual poderia torná-lo inelegível.

O QUE DIZ DALLANGOL 

Dallangol teve 344 mil votos nas eleições de 2022 que agora, por decisão da Corte Eleitoral, serão destinados ao seu partido, o Podemos. 

Depois de ter o mandato cassado, o deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) disse na noite de 3ª feira (16.mai.2023) que as vozes de eleitores paranaenses foram “caladas” pela decisão, que classificou como “uma vingança sem precedentes”.

Nas redes sociais, Sergio Moro diz ter ficado “estarrecido” com a decisão do TSE.

O QUE DIZEM ESPECIALISTAS

O ex-procurador da República, agora deputado federal ameaçado de perder o mandato tem só uma opção: recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Isso vai ser feito assim que houver uma notificação formal por parte do TSE. Uma vez que o recurso seja protocolado ao STF, a Câmara não tomará nenhuma atitude para retirar a cadeira de Deltan – vai aguardar a decisão final da Corte.

“O TSE considerou que Dallagnol se desligou do Ministério Público Federal com quase um ano de antecedência da eleição, antevendo que os procedimentos disciplinares em curso poderiam colocar em risco sua futura candidatura. Os ministros concluíram que houve uma tentativa de ‘burlar’ a legislação”, esclarecem juristas ao Estadão.  

A advogada Paula Bernadelli, especialista em Direito Eleitoral, explicou que quando Dallagnol pediu desligamento do Ministério Público Federal, ele respondia a 15 procedimentos administrativos e já havia sido punido com censura e advertência, o que na prática aumentaria a chance de demissão em julgamentos futuros.

“Não houve uma interpretação alargada do que diz a lei com relação aos procedimentos existentes, mas uma leitura combinada das alíneas e uma constatação de uma tentativa de fraudar o cenário para impedir a aplicação da lei”, avalia Paula. “O que ocorreu no caso é que houve a constatação de que ocorreu uma antecipação do pedido de exoneração justamente para evitar a instauração de PADs (processos administrativos disciplinares) que levariam à sua inelegibilidade”, afirmou ela ao jornal.

O advogado Cristiano Vilela, membro da Confederação Americana de Organismos Eleitorais Subnacionais (Caoeste), afirmou que não houve uma mudança de posicionamento do TSE. “Trata-se de decisão que se adequa à jurisprudência já consolidada do TSE de que, nos casos em que há renúncia à função pública para se fugir de processos que possam levar a inelegibilidade, deve-se aplicar a inelegibilidade pelo período de oito anos”, detalhou. 

Completando, o advogado Luiz Gustavo de Andrade, especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), cravou que o julgamento representa um marco na análise de candidaturas de agentes públicos. “Certamente, é um precedente extremamente relevante”, finalizou.