Pecuarista, Carlos Augusto Borges Martins, que entrou para a “Lista Suja” em abril deste ano, por manter um funcionário em condição análogo a escravidão, foi condenado a pagar R$ 300 mil de multa por danos morais causados à sociedade numa sentença publicada em 30 de junho de 2023.
Patrão escravagista, também conhecido pelo apelido ''Carlinhos Boi', ele é dono da Fazenda Rancho Nossa Senhora Aparecida e do Sítio Retiro Tamengo, em Corumbá (MS).
O Ministério do Trabalho de Mato Grosso do Sul (MPTMS), Polícia Civil com apoio de integrantes da Polícia Militar Ambiental, flagrou o trabalhador, sua esposa e dois filhos, em situação análoga a escravidão, durante inspeção no Sítio do Tamengo em 12 de maio de 2022.
SUJEITOS A MORAR EM UM CHIQUEIRO DE PORCOS
Moradia em condições degradantes era atravessada por animais. Foto: MPT As condições de habitação na fazenda eram precárias e desumanas. O casal morava em um barracão improvisado, de chão batido, com paredes e telhado feitos de caixas plásticas, madeiras e lonas. Não havia móveis, utensílios básicos e instalações sanitárias adequadas, obrigando-o a fazer suas necessidades no mato. Antes mesmo de habitar no alojamento improvisado, o trabalhador e sua companheira foram menosprezados pelo pecuarista, sujeitos a morar, durante um mês, em um chiqueiro de porcos.
Não haviam móveis no ambiente em que a família dormia. Foto: MPTAinda assim, depois de passar a morar no barracão, consta do relatório da Inspeção do Trabalho que o trânsito dos suínos era livre por todo o alojamento do casal, o que não era muito diferente das condições degradantes em que vivia anteriormente. A água consumida era retirada diretamente do Rio Paraguai, sem tratamento, e o casal, isolado e privado de locomoção, dependia dos patrões para fornecer alimentos, o que nem sempre ocorria, sujeitando-os a doações dos vizinhos para conseguir comer.
Fogão improvisado a lenha era única maneira de família fazer refeições quando traziam mantimentos. Foto: MPT“No tocante à tese de trabalho em situação análoga à de escravo, é pacificado no ordenamento jurídico pátrio que referida condição é caracterizada por quaisquer situações a seguir descritas, sejam elas em conjunto ou isoladas: a submissão de trabalhador a trabalhos forçados; a submissão de trabalhador a jornada exaustiva; a sujeição de trabalhador a condições degradantes de trabalho; a restrição da locomoção do trabalhador; a vigilância ostensiva no local de trabalho por parte do empregador ou seu representante, com o fim de retê-lo no local de trabalho; a posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, por parte do empregador ou seu preposto, com o fim de retê-lo no local de trabalho”, ressaltou a juíza do Trabalho, Lilian Carla Issa, em trecho da sentença.
SERVIÇO EM TROCA DE ALIMENTO
Segundo a denúncia do MPT, 'Carlinhos' recrutou o empregador e seus dois filhos sem a realização dos exames médicos admissionais/demissionais e sem registro em carteira de trabalho. A situação constatada nos autos de infração, lavrados por auditores-fiscais do Trabalho, apontou total descaso do réu com o trabalhador resgatado sua família, deixando-os à mercê da própria sorte.
Em entrevista aos agentes do MPT, o funcionário revelou que trabalhava no rancho havia pouco mais de dois meses, contratado por empreitada pelo valor de R$ 60 por hectare de terra roçada. Entretanto, o trabalhador afirmou nunca ter recebido um único pagamento e disse que já estava com uma dívida superior a R$ 2 mil junto ao seu patrão, referente à alimentação fornecida durante o período em que o casal permaneceu no local.
PECUARISTA ACUMULOU 16 AUTOS DE INFRAÇÃO
Local onde a família do trabalhador estava dormindo. Foto: MPTDepois que o casal foi resgatado, a Inspeção do Trabalho entrou em contato com o proprietário rural. Ele confirmou ser o responsável pela contratação do trabalhador, porém alegou que este lhe realizava “changas”, termo popular que se refere a trabalho temporário. “Carlinhos Boi” declarou que não devia nada ao trabalhador, pois havia levado muitos mantimentos para o casal.
Entretanto, de acordo com o procurador do Trabalho e autor da ação, Hiran Sebastião Meneghelli Filho, o proprietário rural, além de explorar o funcionário de maneira abusiva, descumpriu diversas obrigações trabalhistas previstas na legislação vigente.
“O trabalhador resgatado pela Inspeção do Trabalho não estava registrado em CTPS, não foi submetido a exames médicos admissionais/demissionais e laborava sem que lhe fossem proporcionadas condições de mínima dignidade: sem EPIs, sem alojamento digno, limpo e salubre, sem água potável, sem instalações sanitárias, sem local para preparo e consumo de alimentos, sem lavanderia, sem materiais de primeiros socorros, além de outras irregularidades constatadas”, detalhou Meneghelli Filho.
Os valores referentes ao dano moral coletivo e às possíveis multas aplicadas serão revertidos a entidades e órgãos públicos ou privados, sem fins lucrativos, indicados pelo Ministério Público do Trabalho, que desenvolvam atividades de interesse público e social, preferencialmente relacionadas direta ou indiretamente ao trabalho.
Após resgatar o trabalhador, o Ministério Público do Trabalho ingressou com ação requerendo o valor de R$ 75 mil favorável ao trabalhador. O empregador, por outro lado, apresentou defesa contestando a indenização solicitada. Ao analisar o caso, a juíza do Trabalho, Lilian Carla Issa, aceitou parcialmente o pedido do MPT, decidindo condenar o réu a pagar uma indenização de R$ 10 mil para o trabalhador, além da obrigação de anotar o contrato na carteira de trabalho e efetuar o pagamento das verbas salariais e rescisórias devidas, sob pena de multa de R$ 3 mil por cada irregularidade, caso haja reincidência no futuro.
*Com uso do texto original publicado no site do MPT.











