26 de julho de 2024
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INTERIOR | VIOLÊNCIA POLICIAL

Polícia mata dois trabalhadores na zona rural de Porto Murtinho; 'Execução', diz família

Grupo de PMs de cidades distintas foram responsáveis por agressiva operação

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Durante uma suposta operação realizada pela Patrulha Rural da Polícia Militar de Jardim, na manhã da terça-feira (27.set.22), na Fazenda Porto Conceição, em Porto Murtinho (MS), os trabalhadores Fábio Gonçalves, de 44 anos, conhecido como ‘Buchinho’ e Domingos Alonso, de 63 anos, foram mortos a tiros.   

Segundo o boletim de ocorrência encaminhado pela família à reportagem, os autores da operação: 1º Sargento Jhonny Alves Cáceres, de 50 anos, lotado em Piraputanga, o 2º sargento Caio Cesar Velasco da Cunha, de 49 anos, lotado em Corumbá e o Cabo Anderson Soares da Rocha, de 42 anos, lotado em Aquidauana, figuram como testemunhas e vítimas narrando que os caseiros teriam entrado em confronto com os militares.  

Na versão da PM, o caseiro da Fazenda Porto Conceição, identificado apenas como “Francisco”, teria relatado que indivíduos de origem paraguaia estariam abatendo gado na fazenda, que o suposto grupo de 5 pessoas carneava animais bovinos pela manhã numa área de difícil acesso da fazenda. Que grupo supostamente acessava o perímetro da fazenda com uso de embarcações. 

Para cercar o suposto grupo, a equipe Rural fez o trajeto pela água e os PMs: sargento Avelino, soldado Moraes e Soldado Messa, teriam ido por terra. Não está claro porque esses PMs que estavam por terra não estavam na suposta troca de tiros. A PM narrou que a equipe que seguia pela água avistou uma embarcação ancorada e parou a 100 metros do local, para que Sargento da Cunha e o Cabo Anderson desembarcassem. O 1º sargento Jhonny estava como piloto e fez a aproximação pela água. Domingos teria avistado a embarcação em que estava o 1º sargento e efetuado disparos, no mesmo instante, Sargento da Cunha e o Cabo Andersom, teriam abordado o grupo gritando: “Polícia, larga a arma!”. O grupo, entretanto, teria ignorado o pedido e supostamente reagido. Da Cunha e Anderson, armados com fuzis T4 Taurus Calibre 5.56 e um Imbel MD97, calibre 5.56, respectivamente, teriam alvejado Fábio e Domingos. Os outros dois suspeitos, não se sabe como, acabaram conseguindo fugir pela mata.  

Tanto Fábio quanto Domingos foram alvejados com tiros no tórax e na cabeça e teriam supostamente sido resgatados ao hospital pois apresentam sinais vitais, segundo a PM. Ao chegarem com os corpos na Fazenda Porto Conceição, onde estava a viatura, os policiais ainda narram que um indivíduo chamado ‘Derfino’, da fazenda MBigua, teria se aproximado para relatar que também havia visto os homens andando armados nas propriedades e que também tinha sido vítima de abigeato. 

Amilson Alonso, de 28 anos, filho de Domingos, denuncia, porém, que executaram o pai dele. “A história que deles está tudo mal contada, não bate em nada. Eles não queriam mandar a perícia ao local do ocorrido. E até onde eu sei, abordagem não é tiro na cabeça e eles deram tiros na cabeça dos dois e não houve socorro. Os corpos deles chegaram aqui na cidade ontem 12h, mas colocaram no prontuário que chegou aqui às 14h45 da tarde. O corpo do meu pai saiu daqui 1h30 da manhã para mandar o corpo para o IML lá em Jardim, e nem mexeram no corpo do meu pai e nem sabem quando vão mexer, para mandar de volta aqui para o velório”, esclareceu. 

O filho ainda questionou que quando foi à delegacia o advogado do prefeito da cidade, Nelson Cintra (PSDB), esteve na unidade para pegar documentos sobre o caso. “O advogado do prefeito, Nelson Cintra, que ordenou que fossem lá na fazenda, estava aqui na delegacia para pegar documentos do ocorrido... e por que o prefeito mandou fazer isso? Por que vieram pegar esses documentos? O que eles tem a ver com isso?”, questionou o filho, muito abalado.

Amilson Alonso, de 28 anos, ao lado do pai Domingos, assassinado pela PM em Mato Grosso do Sul. Foto: Arquivo pessoal 

Ainda segundo o filho, a Polícia Militar cercou o grupo em um barco não identificado que seria do prefeito da cidade. A Polícia Militar  estava sem nenhuma identificação. E não estava com embarcação da Polícia Militar, eles estavam com barco particular do prefeito Nelson Cintra e onde eles mataram meu pai foi no local de trabalho dele onde ele estava construindo a casa de apoio", explicou o filho.  

Cláudio Alonso, de 41 anos, irmão de Domingos, contou que quando ele se deslocava para o município juntamente com o sobrinho para averiguar o comunicado da morte de Domingos, eles foram abordados por uma blitz da PM na BR, antes que chegassem à cidade. “A uns três, quatro KM, antes de chegarmos à cidade, a viatura estava aguardando a gente. Perguntou meu nome, quando falei que era irmão do Domingos Alonso, tiraram fotos da minha CNH, revistaram meu carro, só esperaram nós sair e vieram nos escoltando até a cidade. Não sei se era uma tentativa de nos botar medo, de um tipo de intimidação”, contou. 

“Queremos que as autoridades investiguem. Meu irmão não é bandido! Ele era funcionário naquela fazenda há 8 meses. Na mesma fazenda eles mataram meu irmão. Para você ter uma ideia, nem perícia foi lá onde eles mataram meu irmão. Hoje que está indo a perícia lá, agora, nós estamos indo junto, estamos a 40 minutos embarcados. Essa perícia era para ter sido feita ontem, com os corpos lá ainda, não hoje”, disse Cláudio. 

Imagens fortes abaixo confirmam da denúncia de que as vítimas foram alvejadas na nuca e ouvido. Veja: 

Trabalhadores mortos pela PM em Porto Murtinho, em Mato Grosso do Sul. Fotos: (Arquivo pessoal | MS Notícias). 

A reportagem tentou ao longo desta manhã falar com Luciano Cabreira Rios, o Tenente Rios, que assumiu o comando do 3º Pelotão da Polícia Militar de Porto Murtinho em abril de 2022. Ele teria sido o responsável por receber o registro. As tentativas de ligações não foram atendidas.

Por mensagem no aplicativo de WhatsApp, fizemos os seguintes questionamentos ao Comandante: 

  • Se havia algum animal abatido com o suposto grupo acusado de abigeato?
  • Se de fato e por que o advogado do prefeito Nelson Cintra esteve na delegacia para pegar detalhes sobre a operação?
  • De o porquê o suposto comunicante, “Francisco”, não foi identificado devidamente no registro? 
  • Perguntamos sobre o porquê de cada um dos policiais desta operação estarem lotados em municípios distintos e o porquê estavam compondo a operação em Porto Murtinho?
  • Por que a Perícia Técnica não esteve ontem na cena do crime?
  • Também questionamos o que virou do Sargento Avelino, soldado Moraes e Soldado Messa, se eles estiveram na cena do confronto ou testemunharam o suposto confronto? 

Assim que os questionamentos forem esclarecidos adicionaremos a esta reportagem. 

O caso foi registrado como posse ou porte ilegal de arma de fogo, homicídio simples na forma tentada e homicídio decorrente de oposição a intervenção policial. 

Além dos familiares, diversos amigos revoltados fizeram posts denunciando que ambos os executados pela PM eram pessoas trabalhadoras. 

O filho de Domingos, lamentou  que não poderá apresentar os netos gêmeos ao pai. “Não via ele há 1 ano. Estava combinando essa semana de vir com meus tios de ir lá pescar, fazer surpresa para ele, estar apresentando minha esposa e os netos que ele vai ter, gêmeos, que ele só tinha visto por foto. A gente estava combinando tudo isso. Esses vídeos são de pessoas que iam lá, pescar que via como ele era, que conheciam ele e viam como ele é. Meu pai era um cara bom”, contou ao enviar um vídeo de Domingos alimentando seus cachorrinhos. Veja:

“Meu pai era um cara muito bom, amava os animais. Os cachorros dele tinham que comer primeiro, aí depois que ele ia comer”, finalizou Amilson.  

A perguntas são muitas, inlcusive, fontes revelaram ao MS Notícias sob anonimato que os corpos tinham sinais de tortura. Ouça áudios encaminhados ao site: 

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