27 de abril de 2024
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Demis Roussos

Lágrimas que fazem Tric-Tric

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Como esquecer? 

Setembro de 1972, Maracanãzinho superlotado no VII Festival Internacional da Canção Popular. As mãos obscuras da intolerância política surravam, silenciavam e oprimiam quem tentasse acender as luzes e varrer a escuridão do cenário pátrio. Mas havia quem ousasse acender uma lamparina para avivar aquele pouco de liberdade permitido pela música. O público do festival tinha essa chama nas mãos e nos pés para dar sobrevida à luz da alegria e da esperança, dançando e cantando, num coro poderoso que se agigantou quando subiu ao palco aquela figura exótica, exagerado nos quilos, nas barbas espessas, nos longos cabelos, na vistosa túnica e na voz...aliás, a voz.

Era como se o público rasgasse o ventre de seus medos para sentir, na música, a porção preservada de liberdade que lhe servia de oxigênio. Era para o marinheiro que não desacredita de si e nem sucumbe ao fatalismo de um temporal. O Maracanãzinho inteiro dançou e cantou com Demis Roussos o refrão “Tric-Tric-Tric”, da música “Velvet Morning”. Ele estava no início da carreira solo e era sua primeira aparição ao vivo num País que já o conhecia pelos sucessos de suas canções como vocalista da banda Aphrodite´s Child (Filho de Afrodite). Sua voz, que o Coro da Igreja Ortodoxa Grega de Alexandria ajudou a esculpir, trazia no DNA familiar a melancolia do Mediterrâneo – um timbre ideal para enriquecer o pop-rock com canções de letras e harmonias não-raramente inspiradas nas culturas ancestrais do Egito (nasceu em Alexandria) e da Grécia. 

Artemios Ventouris Roussos teve em seus 68 anos e meio de vida uma trajetória plena de experiências. Aos 15, seu pai grego e a mãe egípcia perderam todos os bens na Crise do Canal de Suez e foram obrigados a trocar o Egito pela Grécia. Aos 17, já fascinado pelo rock e tocando trompete em clubes de Atenas para ajudar no sustento da casa, formou sua primeira banda, The Idols. Demis não cantava, era guitarrista e baixista, mas um dia o vocalista passou-lhe o microfone. Interpretou “The House of the Rising Sun” e “When a Man Loves a Woman”. Era um passo decisivo na carreira. Conheceu o tecladista Vangelis, um de seus grandes parceiros, e em 1968, com o baterista Lukas Sideras, criava a antológica Aphrodite´s Child. 

Demis Roussos vendeu mais de 60 milhões de discos e acumulou inúmeros prêmios. Falava sete idiomas e morou em diversos países. É tido como um dos pioneiros do rock progressivo, sobretudo pelo álbum “666”, do Aphrodite´s, o último do trio. Críticos respeitados definem que esse álbum, conceitual, inspirado no Livro das Revelações, ficou na História como um clássico do rock progressivo. Mas foi o pop açucarado, com o tempero mediterrânico do timbre de sua voz, que deu a Demis Roussos o “status” de um dos maiores e mais ouvidos intérpretes da música mundial.

Em 1974, ganhei de presente da minha namorada e hoje minha esposa um compacto duplo de vinil, com quatro faixas. Uma delas, particularmente, me marcou: “From Souvenirs To Souvenirs”, pelo simbolismo do que representa em minha vida. Mas há outras canções que nos fazem tão bem quando a lembrança nos revelam o que somos e nos devassam em nossas mais doces ou amargas humanidades: “Velvet Morning”, “Shadows”, “Forever and Ever”, “My Reason”, “Someday, Somewhere”, “My Only fascination”, “Rain and Tears”, “Marie Jolie”, “Five O´clock” e a versão de Asa Branca (White Wings”. Sem exagero, ao menos 100 canções que Demis Roussos interpretou em mais de 40 anos de carreira são cantadas até hoje nos quatro cantos do mundo. 

Amanheci chorando. As lágrimas despencavam, incontidas, sobre o teclado enquanto eu escrevia esse texto. Queria dizer “obrigado” a Demis Roussos. Suas canções me deram, ao longo da vida, presentes únicos. Nestas horas descubro e redescubro o quanto é bom ser piegas. Amar é brega. É simples. Experimentem cantar o amor como fez Demis Roussos. Experimentem ouvir a voz de Demis Roussos e a harmonia mediterrânica de suas músicas. Quanta pieguice singular e incomparável! Experimentem sintonizar-se num tempo em que a vida canta conosco numa partitura de amor e entendimento entre todos os povos. Sempre e para sempre. 

Forever and Ever (Sempre e Para Sempre)
Ever and ever, forever and ever
You'll be the one
That shines on me
Like the morning sun
Ever and ever, forever and ever
You'll be my spring
My rainbows end
And the song I sing

(Sempre e sempre, para sempre e sempre
Você vai ser a única
Que brilha em mim
Como o sol matutino

Sempre e sempre, para sempre e sempre
Você será minha primavera
O fim de meu arco-íris
E a canção que eu canto)