15 de dezembro de 2025
Campo Grande 25ºC

COMBATE AO RACISMO

Vinte expressões racistas para evitar ou abandonar o uso

Cartilha orienta como fazer substituições e quais expressões devem ser extintas

A- A+

A Divisão de Gestão de Pessoa do Hospital das Clínicas da UFPE, filial EBSERH, por meio da Unidade de Desenvolvimento de Pessoas lançou, no dia 21 de março de 2023, Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial, uma cartilha com 20 expressões racistas que devem ser evitadas ou abandonadas. Leia abaixo,  

Destacaram na data ser importante lembrar que a luta contra a discriminação racial é contínua.

"Devemos trabalhar juntos para criar um mundo mais justo e igualitário, em que todas as pessoas possam viver em paz e harmonia, sem medo de serem discriminadas por sua cor de pele ou origem étnica. Sabendo sobre o poder das palavras como construtora de realidades, por que insistir em perpetuar aquelas que carregam ódios e intolerâncias? Afinal, queremos um hospital livre de racismos e outras discriminações. Que possamos construir uma grande rede de combate às expressões racistas! O que é discriminação racial, então?".  

INTRODUÇÃO

A discriminação racial é uma forma de preconceito que se baseia na cor da pele, origem étnica, cultura ou qualquer outra característica relacionada à raça de uma pessoa. Essa prática é uma violação aos direitos humanos e tem consequências negativas para indivíduos e para a sociedade como um todo. A discriminação racial pode afetar a vida das pessoas de diversas maneiras, como no acesso à educação, emprego, moradia, saúde e justiça. Além disso, pode gerar sentimentos de inferioridade, exclusão, humilhação e violência, impactando negativamente a autoestima, a autoconfiança e o bem-estar emocional das vítimas.

EXPRESSÕES RACISTAS

  1. A coisa tá preta

A expressão “a coisa tá preta” é verdadeira síntese de um conjunto de expressões de caráter racista que associam a pessoa negra a coisas ruins. O sentido da expressão é referir-se a uma situação extremamente negativa, complicada ou a um problema de difícil solução. A forma mais correta de passar a mesma ideia seria pelo uso de expressões como “a situação é difícil”, “o caso é complexo” ou “a coisa está complicada”.

  1. Boçal

A palavra “boçal” é utilizada para designar uma pessoa sem cultura, sem educação, rude, grosseira. Durante o período escravocrata, o termo era empregado para designar pessoas escravizadas que não sabiam falar português. Assim, seu uso rememora uma origem preconceituosa que deve ser superada, substituindo-se a palavra por outras, como “ignorante” ou “grosseiro(a)”.

  1. Cabelo ruim

“Cabelo ruim” é mais uma expressão de cunho racista que consiste em desprezar as características físicas das pessoas negras, associando-as a coisas ruins ou de qualidade inferior. O uso dessas palavras e suas variantes “cabelo duro”, “cabelo bombril” é forma contundente de racismo, e deve, portanto, ser abandonada. Os cabelos possuem diferentes compleições e tonalidades, mas não existem cabelos que são melhores ou piores, apenas diferentes. Desse modo, é possível referir-se a “cabelos crespos” ou “cabelos cacheados”, conforme suas características.

  1. Chuta que é macumba

A expressão “chuta que é macumba!” pretende designar o desejo de afastar algo ruim de perto de si, a vontade de se manter distante de algo que possa fazer mal. O termo deve ser abandonado e substituído por outros que possam denotar com maior precisão o desejo de afastar algo, como “para longe de mim!”, “sai daqui!”.

  1. Criado mudo

O termo “criado-mudo” faz referência a um móvel com gavetas, geralmente utilizado ao lado das camas e que funciona como apoio. A adoção desse nome, segundo alguns estudos filológicos, faz referência às pessoas negras escravizadas responsáveis pelos serviços domésticos, que tinham a atribuição de segurar objetos pertencentes a suas senhoras e seus senhores, servindo de apoio permanente. O fato de seu uso ser relacionado com a escravização de pessoas negras é justificativa suficiente para o abandono de seu uso vocabular, tanto mais quando há expressão mais fidedigna para designar o móvel: “mesa de cabeceira”. 

  1. Denegrir

A origem da palavra “denegrir” é latina e significa enegrecer, mas seu uso está associado à ideia de macular, manchar, sujar alguma coisa. A junção das duas coisas faz surgir a ideia de que tornar algo negro é negativo, que deve ser evitado, o que reforça a ideia preconceituosa que liga a pessoa negra a coisas ruins. O uso da expressão confirma o viés preconceituoso também quando se verifica que aquilo que foi “denegrido” precisa ser limpo, corrigido, “esclarecido”. Trata-se de mais um termo que deve ser abandonado, por trazer embutida uma carga racista muito forte, que pode ser trocada por “difamar” ou “caluniar”, por exemplo.

  1. Eu não sou tuas negas

A expressão “não sou tuas negas!” é utilizada comumente para designar revolta ou incômodo com situação ou comentário, por exemplo. Não há consenso sobre sua origem, entretanto as hipóteses mais aceitas, além de possuírem conotação racista, demonstram caráter misógino. A primeira teoria enfatiza que a expressão dá conta da realidade do período escravagista, quando mulheres escravizadas eram comumente vítimas de assédio e abuso sexual por homens brancos, pois havia uma ideia disseminada de que elas sempre estavam disponíveis para a atividade sexual, o que não acontecia com as mulheres brancas, vistas como castas. A segunda teoria atesta que a expressão faria referência às mulheres escravizadas que pertenciam a determinado senhor, que poderia dispor delas como bem desejasse, inclusive sexualmente. Nos dois sentidos, há, no tratamento, uma depreciação da mulher negra, que é tratada como objeto, propriedade, sendo passível de suportar todo tipo de comportamento. A busca por demarcação de espaço e respeito é válida, então a expressão poderia ser substituída por outras, tais como “me respeite!”.

  1. Esclarecer

“Esclarecer” significa tornar algo claro, trazer luz sobre determinado assunto. Seu uso é corriqueiro, como se observa neste jornal paulista: “Para esclarecer, informar, fortalecer e mobilizar cada vez mais a categoria, em 1972 nasceu o jornal [...]”. À primeira vista, não há nada de errado com a palavra e seu uso, contudo embute-se nela o racismo a partir do instante em que transmite a ideia de que a compreensão de algo só pode ocorrer sob as bênçãos da claridade, da branquitude, mantendo no campo da dúvida e do desconhecimento as coisas negras. O mais adequado, nessas circunstâncias, seria o uso das palavras “explicar” ou “elucidar”, por exemplo.

  1. Feito nas coxas

A expressão “feito nas coxas” é utilizada para designar algo realizado de modo apressado, sem muito apuro, descuidado. Não há certeza sobre as origens do termo, mas existem algumas hipóteses que são levantadas de modo mais corriqueiro. Uma das proposições mais repetidas dá conta de que a expressão repetiria o hábito colonial de produção de telhas moldadas nas coxas de pessoas escravizadas, trabalho realizado por produtividade e, por isso, mecânico e sem muito zelo pela uniformidade das telhas criadas. Uma outra alternativa para explicar as origens do termo seria a descrição do ato sexual sem penetração, o coito interfemoral, ou seja, quando o pênis é friccionado entre as pernas, o que estaria associado a algo incompleto, malfeito. Há, por fim, uma terceira referência, a fabricação de charutos, que eram enrolados nas coxas das mulheres responsáveis por sua produção. Ainda que não haja pleno consenso sobre as origens do termo, o linguajar cotidiano costuma associá-lo ao trabalho da pessoa negra, algo de baixa qualidade, malfeito. Assim, a expressão acaba reproduzindo uma ideia racista e merece ser abandonada, podendo facilmente ser substituída por outras que transmitam a mesma mensagem.

  1. Estampa étnica

A expressão “estampa étnica” faz referência a padronagens de tecidos que fujam dos modelos europeus; geralmente, são típicas de países africanos ou de populações indígenas. O termo é de uso comum. Veja-se um exemplo do uso em sítio eletrônico de notícias: “Empresária lança marca de biquínis com estampas étnicas e viraliza”. A melhor forma de se referir a tais padronagens é apontar sua origem com nitidez: “estampa africana”, “estampa afro” ou “estampa indígena”, por exemplo.

  1. Humor negro

A expressão “humor negro” pretende referir-se a uma espécie de comédia que foge dos padrões convencionais e chega a ser chocante por estar baseada em coisas mórbidas, macabras ou ilícitas. Em outras palavras, é provocar o riso valendo-se de elementos relacionados eventualmente ao susto ou ao choro. A imprensa vale-se da expressão. A título de exemplo, veja-se uma notícia de um jornal do interior do Paraná: O objetivo de revisar dois milhões de beneficiários era o sentido da medida, restringindo ainda mais as regras de avaliação do benefício de Prestação Continuada. Exercícios do gênero, pela crueldade acentuada, são puro humor negro. O uso do termo embute uma ideia preconceituosa, visto que associa algo fora do padrão de normalidade à pessoa negra. Esse tipo de postura pode ser chamado, com mais adequação, de “humor ácido”.

  1. Lista negra

A expressão “lista negra” refere-se a um rol em que são agrupadas categorias de coisas ruins, proibidas, ilícitas ou que devam ser evitadas ou perseguidas. Veja-se a título de exemplo a seguinte matéria jornalística: As empresas inadimplentes com impostos federais já estão adotando medidas contra a Receita Federal por terem seus CNPJs e os nomes dos sócios incluídos em lista negra, conforme disposto na Portaria da RFB. O uso da expressão, portanto, serve para associar a pessoa negra a coisas que não são socialmente aceitas e que devem ser evitadas ou inteiramente eliminadas. Desse modo, seria mais adequado o uso de expressões como “lista suja” ou “lista proibida”.

  1. Magia negra

A expressão “magia negra” é corriqueiramente associada a rituais ou práticas religiosas que são socialmente rejeitados tanto pelo seu conteúdo quanto pelo seu modo de ação. A ideia que se pretende transmitir pode ser expressa como “rituais proibidos” ou “práticas religiosas proibidas”.

  1. Meia-tigela

As expressões “meia-tigela” e “de meia-tigela” significam algo de qualidade inferior, duvidosa, medíocre, sem valor. Uma das explicações apresentadas para a origem das expressões refere-se à distribuição de alimentos às trabalhadoras e aos trabalhadores escravizados(as). Segundo essa corrente, a refeição seria reduzida a meia-tigela se o trabalho fosse avaliado como insuficiente ou ineficiente.

  1. Mercado negro

A expressão “mercado negro” é de uso corriqueiro, como é possível verificar nos seguintes trechos retirados de um jornal de circulação nacional: Na China, a preferência por filhos homens, juntamente com o rígido controle do número de nascimentos, ajudou a criar um lucrativo mercado negro de crianças. China alimenta mercado negro virtual de drogas sintéticas ilegais. Aplica-se a expressão quando se deseja referirse a um conjunto de ações comerciais ilícitas, que desrespeitam regras jurídicas e morais. Pode dizer respeito à venda de produtos proibidos ou obtidos a partir de atividades criminosas. O emprego do adjetivo “negro” na expressão tem o objetivo de sublinhar o caráter ilícito daquela realidade. O negro, nessa construção, é associado ao tráfico de crianças, drogas e armas, ao comércio de produtos contrabandeados ou ao objeto de furto. Uma alternativa eficaz seria a substituição da expressão pelo uso de “mercado ilegal”.

  1. Cor de pele

“Cor de pele” é uma expressão que pretende identificar uma cor, mais especificamente tons de bege, fazendo expressa alusão à pele branca. Na verdade, não existe uma cor capaz de representar a pele humana uniformemente, pois há uma profusão – impossível de mensurar – de tonalidades que variam de pessoa a pessoa, o que representa a própria beleza da humanidade.

  1. Negra/negro com traços finos

A expressão “negra/negro com traços finos” pretende trazer uma forma elogiosa de referir-se à pessoa negra. Contudo, acaba embutindo uma ideia racista, pois associa a negritude a traços grosseiros e feios. Desse modo, a beleza negra estaria limitada aos que não se parecem com negras e negros. O uso da expressão deve ser abandonado, não cabendo, nem sequer, sua substituição por sinônimos.

  1. Nasceu com um pé na cozinha

A expressão “nasceu com um pé na cozinha” é utilizada com o fim de demonstrar que alguém possui entre seus antepassados uma pessoa negra. Há, portanto, uma série de nuances racistas na expressão, pois parte do pressuposto de que o espaço ocupado por uma pessoa negra em uma casa seria apenas a cozinha. Outra associação possível é o fato de muitas mulheres escravizadas permanecerem na cozinha, inclusive no período de repouso, estando sujeitas ao assédio e mesmo à violência sexual por homens brancos.

  1. Ovelha negra

A expressão “ovelha negra” pretende designar uma pessoa que foge aos padrões aceitáveis, diferencia-se de forma inadequada dos padrões esperados. Designa, portanto, algo que foge, negativamente, às expectativas sociais. A origem de seu uso remonta à Antiguidade, quando “[...] os animais pretos eram considerados maléficos e, por isso, sacrificados em oferenda aos deuses ou para acertar certos acordos” (Soportugues, online). Há uma associação da pessoa negra com coisas ruins, desvirtuadas ou inaceitáveis, consequentemente, trata-se de expressão racista.

  1. Negra/negro de beleza exótica

O uso da expressão “negra/negro de beleza exótica” é mais uma forma de, supostamente, fazer um elogio à estética da pessoa negra. Na verdade, o exótico é tudo aquilo que não é comum, que foge de padrões esperados. Nenhuma dessas características pode ser empregada para designar a cor negra. É possível, obviamente, falar em pessoas negras belas ou na beleza negra, mas nada há de exotismo nisso.

Referência Extraída da Cartilha "Expressões racistas: como evitá-las" [EIS A ÍNTEGRA] / Tribunal Superior Eleitoral. – Dados eletrônicos (107 páginas). – Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, 2022. Equipe de Elaboração: Viviane dos Santos - Chefe da UDP; Emanuelle Noberto - Técnico em Assuntos Educacionais; Roberta Lira - Secretária Executiva e Samara Andréa - Bolsista.