A expansão urbana desorganizada de Campo Grande é alvo de uma investigação conduzida pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) e implica diretamente a gestão da prefeita Adriane Lopes (PP). A suspeita é de que a Prefeitura esteja promovendo ou permitindo, de forma negligente, um modelo de crescimento urbano que viola as diretrizes do Plano Diretor da cidade, ignora limites técnicos de adensamento e favorece a especulação imobiliária — prática que pode comprometer seriamente a infraestrutura urbana, os serviços públicos e o equilíbrio socioambiental do município.
O inquérito civil, instaurado pela 42ª Promotoria de Justiça da Capital, aponta uma série de irregularidades na condução da política urbana, especialmente pela falta de controle sobre a densidade populacional líquida nas novas ocupações e pela ausência de transparência na emissão das Guias de Diretrizes Urbanísticas (GDUs). O documento, publicado no Diário Oficial desta terça-feira (22), é baseado no estudo realizado pelo engenheiro civil Thiago Winter Macinelli e encaminhado ao MP, sugerindo afronta direta aos princípios da legalidade, eficiência e publicidade que regem a administração pública.
A investigação aponta que o centro da cidade, identificado no Plano Diretor como a Macrozona 1 (MZ1), deveria ser o principal foco de adensamento, aproveitando a infraestrutura já existente. Contudo, entre 2010 e 2022, a região perdeu 12,8% da população, enquanto Campo Grande cresceu mais de 28%. Essa evasão populacional se deu paralelamente à explosão de empreendimentos em áreas periféricas, especialmente na Macrozona 2 (MZ2), onde a terra é mais barata — movimento incentivado pela falta de fiscalização e controle da densidade urbana.
O estudo técnico que embasa o inquérito revela que há edifícios verticais sendo aprovados fora das áreas designadas para adensamento, muitas vezes cercados por bairros de casas térreas e infraestrutura insuficiente. O caso mais emblemático é o do bairro Veraneio, onde novos projetos somam densidade líquida de até 1.162 habitantes por hectare — quase cinco vezes acima do limite legal para a região.
METAS IGNORADAS
A Agência Municipal de Planejamento Urbano (Planurb) aparece como responsável por omissões técnicas graves. O MP identificou, com base no estudo, que os simuladores utilizados para calcular o impacto populacional de novos empreendimentos são ineficazes, pois consideram os projetos de forma isolada e com projeções irreais para 2099, desconsiderando os impactos acumulados no presente. Com isso, praticamente qualquer empreendimento é aprovado, mesmo que ultrapasse os limites legais de densidade, resultando em crescimento descontrolado e infraestrutura sobrecarregada.
Além disso, o município não cumpriu metas estabelecidas no Plano Diretor, como a regulamentação do controle de densidade e o monitoramento anual dos vazios urbanos. O próprio simulador elaborado pela Planurb desconsidera que a cidade já possui cerca de 66 mil imóveis desocupados — número que, se aproveitado, poderia absorver a demanda habitacional projetada para mais de uma década.
RISCOS
Na prática, as falhas apontadas criam um ambiente propício à especulação imobiliária, em que terrenos são valorizados artificialmente e novos empreendimentos são construídos em regiões mais baratas, mesmo sem infraestrutura adequada. O modelo desincentiva a ocupação do centro da cidade, alimenta a expansão periférica e contribui para a desigualdade urbana.
Segundo o MP, as decisões da Prefeitura ignoram os dispositivos constitucionais que exigem o uso racional do solo urbano e o cumprimento da função social da propriedade. A ausência de controle compromete não apenas a qualidade de vida da população, mas também a sustentabilidade fiscal da cidade, que terá de arcar com os custos da expansão desordenada — mais transporte público, redes de esgoto, iluminação e serviços de saúde para regiões cada vez mais distantes do centro.
A promotora Andréia Cristina Peres da Silva, responsável pelo inquérito, determinou que a Prefeitura apresente justificativas técnicas, documentos e esclarecimentos em até 10 dias úteis. A Planurb também foi intimada a explicar a retirada do controle da densidade líquida, publicar relatórios anuais obrigatórios e divulgar publicamente todas as Guias de Diretrizes Urbanísticas, conforme prevê a legislação.