Na cartilha da boa política, o mandato eletivo deveria servir como instrumento de construção social. Para o vereador de Corumbá Elio Moreira Junior, o Elinho Júnior (PP), contudo, o cargo parece confundir-se com um salvo-conduto para a truculência.
Em seu segundo mandato, o parlamentar esteve envolvido em um episódio ocorrido na tarde de ontem, 27 de dezembro de 2025, que ganha contornos ainda mais graves à luz de seu desfecho: a agressão a um trabalhador informal em frente a uma lanchonete de propriedade do vereador e de sua esposa, seguida de uma retratação posterior e, no mínimo, suspeita, por parte da vítima.
O caso é o retrato escancarado do chamado “coronelismo” urbano. Não se trata de um episódio isolado. Em setembro de 2023, o vereador já havia sido acusado de agredir verbal e fisicamente um vendedor ambulante — de salgados ou, segundo algumas fontes, de espetinho — na Feira Central de Corumbá.
Conforme relatos à época, a agressão teria ocorrido após uma discussão sobre a localização da barraca do trabalhador. Uma controvérsia trivial, que exigiria diálogo e mediação, atributos básicos de um representante do povo, acabou resolvida pela imposição da força, na lógica ultrapassada da lei do mais forte.
As versões colhidas desenham a cena de um vereador que, despido de decoro e da responsabilidade inerente ao cargo, partiu para ofensas e agressão física contra seres humanos que buscavam apenas garantir o próprio sustento.
O 'MILAGRE' DA RETRATAÇÃO E A BLINDAGEM DIVINA
O que torna o episódio de Elinho Júnior um estudo de caso sobre o abuso de poder não é apenas a agressividade, mas o que veio depois. Em uma reviravolta que desafia a lógica, mas não a política paroquial, o vendedor de salgados, a parte agredida na tarde de ontem, surgiu em um vídeo posteriormente divulgado.
Na gravação, o trabalhador aparece, pasmem, "arrependido". Com um roteiro que parece ter sido escrito sob a sombra pesada da intimidação ou de acordos de bastidores, a vítima minimiza o ocorrido, classificando a si mesmo e ao vereador agressor como "homens de Deus que se alteraram".
O registro em vídeo da agressão, no entanto, encontrava-se no celular da própria vítima, que teve a bicicleta arremessada ao chão e a caixa de isopor onde armazenava os salgados quebrada.
A retratação soa menos como um ato de fé e mais como um triste roteiro de sobrevivência. A invocação do divino serve aqui como um verniz conveniente para encobrir a falta de educação e o excesso de testosterona política. Transformar um caso de polícia e de falta de decoro em um mero "desentendimento entre cristãos" é a estratégia perfeita para desmobilizar a indignação pública.
A pergunta que fica é óbvia e amarga: que tipo de pressão faz um cidadão humilhado publicamente pedir desculpas ao seu agressor? A assimetria é gritante: de um lado, o vereador com mandato, influência e conexões; do outro, o vendedor que precisa da licença para trabalhar na rua. O vídeo do "arrependimento" não limpa a imagem de Elinho; pelo contrário, reforça a suspeita de que, em Corumbá, quem tem mandato manda até na consciência alheia.
A DISSONÂNCIA NO NINHO PROGRESSISTA
O silêncio sobre o caso — agora "resolvido" por esse vídeo constrangedor — ecoa até a capital e coloca em xeque a coerência do Partido Progressistas (PP). A legenda, presidida em MS pela senadora Tereza Cristina, orgulha-se da imagem de ordem e respeito às instituições.
Mas, há uma contradição latente:
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Como a liderança do PP, que preza pela liturgia do cargo, aceita que um correlegionário resolva divergências no braço?
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A "ordem" pregada pelo partido coaduna com a ideia de que "homens de Deus" podem agredir trabalhadores, desde que a parte agredida grave um vídeo de desculpas depois?
O VOTO COMO SENTENÇA
O episódio de Elinho Júnior e o vídeo do vendedor são simbólicos. Eles mostram como o sistema opera para proteger os seus, transformando vítimas em réus confessos de "alterações de ânimo".
Se a Câmara se cala e o partido aceita o teatro, resta ao eleitor a última palavra. A urna é o único tribunal onde o foro privilegiado e a coação religiosa não garantem absolvição. Em Corumbá, a população precisa decidir se quer representantes que trabalham pelo povo ou "homens de Deus" que batem no povo e depois exigem o perdão em vídeo.
A reportagem tentou contato com as partes, mas, até o momento da publicação, não obteve resposta. O MS Notícias entrará em contato com o Ministério Público para apurar se a vítima foi constrangida a gravar o vídeo de desculpas.
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