Documentos do Ministério Público Federal mostram que a Polícia Federal e a CGU desvendaram como agia o “gabinete paralelo” de pastores no Ministério da Educação (MEC). Ainda, mostram que os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos pediram 100 mil reais de propina a José Edvaldo Brito, um empresário de Piracicaba (SP), para mediar um encontro do empresário com o então ministro da pasta, Milton Ribeiro, e a garantir a participação de Ribeiro num evento em Nova Odessa (SP).
“Arilton solicitou a emissão de passagens aéreas para a comitiva e, a título de colaboração, a quantia de 100.000 reais”, diz a investigação.
A pré-candidata a presidência e senadora Simone Tebet (MDB) e a pré-candidata a reeleição Soraya Thronicke (União Brasil), ambas de Mato Grosso do Sul, assinaram na quarta-feira (22.jun.22) o requerimento para criar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as denúncias de corrupção no Ministério da Educação. De MS, apenas o senador Nelsinho Trad (PSD) não assinou o pedido da CPI do MEC.
As senadoras decidiram acompanhar a oposição após o ex-ministro e pastor evangélico Milton Ribeiro ser preso pela Polícia Federal na quarta-feira (22.jun.22) em Santos (SP), em razão das robustas evidências de diversos crimes praticados pelos bolsonaristas no MEC. A Casa Civil, de Ciro Nogueiro, se antecipou há alguns meses, deletando fotos de encontros entre Noogueira e pastores alvos da operação da PF intitulada 'Acesso Pago', que caiu como uma bomba no Planalto, porém, Bolsonaro já tinha conhecimento.
Tebet tuitou:
A prisão preventiva do ex-ministro e de lobistas por suspeita de corrupção revela todo desmando que virou a Educação neste governo. O que deveria ser prioridade nacional e política de Estado, virou manchete policial. +
— Simone Tebet (@simonetebetbr) June 22, 2022
O senador Randolfe Rodrigues (Rede), do Amapá, disse que a criação de CPI pelo Senado atingiu o número mínimo de assinaturas necessárias para investigar as denúncias de corrupção no MEC. O presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD), de Minas Gerais, anunciou que vai instalar a CPI caso o requerimento tenha as 27 assinaturas necessárias.
Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura cobravam propina para liberar recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Após ambos serem presos, Soraya Thronicke endossou a proposta de criação de CPI. “Diante dos novos fatos assinei a CPI do MEC”, afirmou a presidente regional do União Brasil.
“Algumas reações posteriores (contrárias) nos bastidores sinalizam que fiz a coisa certa, e os fortes indícios apontam para possível caso de corrupção”, tuitou Soraya. Apesar da pressão, a senadora sinalizou que não deverá recuar da decisão. “Covardia não faz parte do meu vocabulário”, ressaltou, prometendo manter a assinatura.
O senador Nelsinho Trad não assinou a proposta para criar a CPI do MEC. Ele também não se manifestou sobre o assunto.
“Corrupção também é marca desse governo. Nas vacinas, na educação, no orçamento secreto. O Brasil precisa de um novo caminho. É possível fazer diferente”, criticou Simone, que elevou o tom das críticas a Bolsonaro já em razão do negacionismo do presidente ante a pandemia de Covid-19.
INVESTIGAÇÃO
Ribeiro foi preso por ordem do juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal do Distrito Federal. Após cumprir seu dever, o juiz passou a sofrer ameaças de mortes de aliados do ex-ministro da Educação, que supostamente é cristão. De acordo com a assessoria do Poder Judiciário, foram centenas de ameaças de morte entre o dia da prsião de Ribeiro até esta quinta-feira.
Além do ex-ministro e dos pastores, o magistrado determinou a prisão de Helder Bartolomeu e do ex-assessor do MEC, Luciano de Freitas Musse.
Quando o Estadão denunciou a situação no gabinete paralelo do MEC, Jair Bolsonaro (PL) tinha ressaltado que confiava na integridade do ex-ministro. Ele chegou a falar que não colocava apenas a mão, mas a cara no fogo por Milton Ribeiro.
Segundo a Polícia Federal, dupla de pastores amiga de Bolsonaro que atuava dentro do Ministério da Educação durante a gestão do ex-ministro Milton Ribeiro usou contas de parentes para receber propina decorrente de negócios na pasta.
Segundo a PF, um sofisticado esquema foi montado pelo que a entidade classifica como “organização criminosa” dentro do MEC.
A Polícia também constatou que a esposa do ex-ministro Milton Ribeiro recebeu ou cedeu valores a parentes da dupla de pastores.
A investigação aponta ainda que um aliado da dupla investigada foi nomeado para cargo dentro do Ministério da Educação. Esse personagem, chegou a viajar com os pastores e a participar de eventos com eles.
Além da prisão de três dos envolvidos, já revogada (veja abaixo), o juiz determinou a quebra dos sigilos dos citados no caso, como foi pedido pela PF. Também partiu da PF o pedido de prisão, sob o argumento de que os investigados poderiam obstruir a investigação e destruir provas.
O MPF foi favorável à quebra de sigilo, mas sugeriu medidas cautelares, como proibição de comunicação entre os citados, como alternativa à prisão preventiva, o que o juiz negou.
SOLTURA
A defesa do ex-ministro Milton Ribeiro só teve acesso à decisão nesta quinta. Ela classificou a prisão do ex-ministro como ilegal e extemporânea, argumento acatado pelo desembargador do TRF-1.
Com isso o desembargador federal Ney Bello, do Tribunal Regional Federal (TRF-1), aceitou nesta quinta-feira um habeas corpus apresentado pela defesa do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e mandou libertá-lo.
Além de Milton, todos os outros presos pela decisão também serão soltos, segundo a decisão do desembargador. A decisão é liminar e vale até o julgamento do caso pela Terceira Turma do TRF-1. Ney Bello não determinou a aplicação de nenhuma medida alternativa à prisão, como o uso de tornozeleira eletrônica.
Na tarde desta quinta-feira, Milton Ribeiro passaria pela audiência de custódia com o juiz Renato Borelli, que foi quem determinou a prisão. Nessa ocasião, seria avaliada a necessidade de mantê-los presos ou não.
"Num Estado Democrático de Direito ninguém é preso sem o devido acesso à decisão que lhe conduz ao cárcere, pelo motivo óbvio de que é impossível se defender daquilo que não se sabe o que é", diz trecho da decisão. Os advogados reclamaram não ter tido acesso à decisão do juiz.
Em nota, o advogado Daniel Bialski, que defende o ex-ministro, comemorou: "Nesta decisão, felizmente, a ilegalidade foi reconhecida e a prisão revogada. A defesa aguarda o trâmite e a conclusão do inquérito, quando espera que será reconhecida a inocência do ex-ministro."
Entre outros pontos, o desembargador Ney Bello, que decidiu soltar Milton Ribeiro e os outros investigados, destacou que "não há mais qualquer vínculo" entre o ex-ministro e o serviço público. Assim, "já não pode praticar qualquer ato", não justificando a necessidade de prisão.
"Da mesma forma, as decisões que foram tomadas e os atos adjetivados de ilícitos há meses atrás, não estando o paciente na possibilidade de continuar os praticando, não geram contemporaneidade e nem a utilidade a fundar um decreto de prisão preventiva. Como o próprio nome já indica, a prisão preventiva serve para prevenir, não para punir; serve para proteger e não para retribuir o mal porventura feito", destacou o desembargador federal.
Ele reconheceu que desvios na educação são fatos gravíssimos, mas também destacou que os possíveis crimes não são atos violentos que justifiquem uma prisão.
Ney Bello destacou que a defesa, no habeas corpus, usa dados concretos e também suposições, uma vez que não teve acesso à decisão da prisão. Ele destacou que a prisão preventiva não é censura prévia ou condenação antecipada, e que a regra é "a liberdade".
"A antecipação da culpa, a punição prévia, a sensação socialmente difusa de justiça, ou a narrativa política não justificam a prisão de quem quer que seja, ainda que crimes graves tenham ocorrido o que deve ser objeto de futura e rápida condenação – se provados –, jamais de prisão preventiva", diz trecho da decisão.
Ney Bello também disse que a busca e apreensão já foi realizada e as quebras de sigilos já foram autorizadas, não tendo sido demonstrado risco para as investigações. Por outro lado, defendeu a continuidade da investigação, que "deve correr até não mais poder".