29 de março de 2024
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Editorial

Se lei de Delcídio fosse aprovada, remessa ilegal de dinheiro via HSBC não seria investigada

O senador Delcídio do Amaral tentou emplacar o projeto de lei que anistiaria o crime de remessa de recursos para o exterior e ainda possibilitaria incentivos fiscais aos “recursos não declarados”. Em tempos de Lava Jato...

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A Justiça Suíça investiga a origem do dinheiro cuja origem o HSBC ajudou a camuflar, e quer saber o grau de responsabilidade do banco a respeito do dinheiro de ex-diretores da Petrobras que durante anos fizeram seus depósitos na agência de Genebra. O Ministério Público de Genebra abriu investigação por lavagem de dinheiro e liderou uma operação de busca e apreensão na sede do Banco e nos diversos escritórios da instituição na quele país.

Segundo consta da delação premiada do ex-gerente executivo de engenharia da Petrobras, Pedro Barusco, ele abriu um total de 19 contas em nove bancos na Suíça para receber propinas. O montante depositado só no HSBC atinge a cifra de US$ 6 milhões.

Segundo revela o jornalista Fernando Rodrigues, em seu blog, “ao menos 11 pessoas ligadas ou citadas de alguma forma no escândalo da Operação Lava Jaro mantiveram contas na filial suíça do banco britânico HSBC nos anos de 2006 e/ou 2007”. Os valores somam US$ 110,5 milhões.

A lei

O projeto de lei nº 354/2009, de autoria do senador Delcídio do Amaral (PT), dispõe sobre medidas de estímulo à prática de cidadania fiscal, mas, na prática, tem por objeto conferir anistia criminal e incentivos fiscais para recursos depositados no exterior e não-declarados. Benção e redenção para a lavagem de dinheiro.

Se aprovado, além de “abençoar o bom dinheiro que à casa torna”, impede a averiguação dos recursos mantidos no exterior e extingue a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária, evasão de divisas (lavagem), descaminho, falsificação de documento, falsidade ideológica e sonegação.

Houvesse sido aprovado, e lembre-se que ele ainda não está morto, apenas engavetado “para análise e apreciação”, esse dinheiro poderia retornar ao Brasil pagando entre 5 e 10% sobre o valor total declarado. É bom lembrar que o cidadão que trabalha e vive de salário (no país, salário é considerado renda), chega a pagar até 27,5% ao fisco.

A procuradora regional da República Carla Veríssimo De Carli, em 2012 como coordenadora do grupo de trabalho em lavagem de dinheiro e crimes financeiros da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF - GTLD, informava que além de não punir quem comete crimes contra a ordem tributária e delitos de evasão de divisas, o projeto de lei impossibilitaria a investigação e a punição do crime de lavagem de dinheiro de bens obtidos com a corrupção, o tráfico de drogas e armas e outros crimes graves, pois não seriam exigidas provas de que o dinheiro no Exterior tenha sido obtido licitamente. Bastaria que o contribuinte declarasse sua existência e recolhesse o tributo.

?Na coluna Conversa Afiada de 24 de dezembro de 2010, o ainda não tão petista, Paulo Henrique Amorim, publicou artigo sob o título “Estadão: deslavar dinheiro é anistiar ladrão”, de onde sublinharemos partes do texto:

Juízes federais que atuam em processos sobre crimes financeiros e desvios de recursos da União alertam para “efeitos nocivos” do projeto Cidadania Fiscal (…) que contempla com anistia tributária e penal contribuintes brasileiros (…) estima-se em US$ 100 bilhões a fortuna que circula fora do País.

O projeto é uma vergonha”, classifica o juiz Sérgio Moro (grifo nosso), titular da 2.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, especializada em processos contra réus por lavagem de dinheiro, evasão de divisas e fraudes. “Embora a anistia seja destinada a crimes fiscais, de descaminho e financeiros, incluindo a evasão de divisas, na prática vai favorecer todo tipo de criminoso.”

“Um corrupto não vai internar o dinheiro no País declarando ser ele produto de corrupção. Vai ser muito difícil investigar e discriminar a origem desse dinheiro.”

A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) em nota aos senadores (…) “O Brasil não pode aceitar esse tratamento benéfico ao capital que vai para o exterior de forma criminosa, na maioria das vezes fruto da corrupção ou do tráfico internacional de drogas” (…) “Essas operações são promovidas por organizações criminosas que fazem a remessa de seus lucros. O dinheiro da corrupção na política brasileira é obviamente encaminhado de forma ilícita. (…) O projeto viola o princípio constitucional da moralidade.”

A defesa de Delcídio

As acusações de que projeto conhecido como Cidadania Fiscal favoreceria a lavagem de dinheiro são rebatidas por Delcídio do Amaral que afirma que muitos recursos vêm de atividades legais e que ele estudou experiências semelhantes em outros países. Explicou também que são previstas restrições para separar o dinheiro “bom” do “ruim”, por regulamentação do Conselho Monetário Nacional, do Banco Central, da Receita Federal e de outras instituições.

Mas não explicou, em qualquer momento, o artigo 9º, que trata sobre a declaração de bens e direitos e a opção pela consolidação de débitos acompanhada do pagamento do imposto, extinguirá a punibilidade (grifo nosso):

I – dos crimes contra a ordem tributária, econômica e financeira de que trata a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990;

II – dos crimes abaixo especificados previstos no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal:

a) do crime de descaminho, previsto no caput do art. 334 e seu § 1º;

b) dos crimes de falsidade material de documentos públicos e privados previstos nos arts. 297 e 298;

c) do crime de falsidade ideológica previsto no art. 299;

d) dos crimes contra a previdência social previstos no inciso III do art. 337-A.

III – dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional de que trata a Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986.

Em tempos de escândalo da Petrobras, a discussão a respeito do projeto de lei proposto em 2009, deve retomar à pauta da mídia, e nesse caso, em prejuízo do senador caso seu nome, ou de algum dos assessores, estejam relacionados nas delações premiadas da Operação Lava Jato.