20 de abril de 2024
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ECONOMIA

Mudança no teto salarial dos professores preocupa Estados

Governos temem desequilíbrio fiscal; especialistas alertam para risco de que medida estimule o mesmo pleito de outras carreiras

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A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, de equiparar o teto salarial dos professores universitários estaduais ao teto dos professores das federais deve ter impacto nas contas dos estados, principalmente São Paulo e Rio. O primeiro concentra três das maiores universidades do país: USP, Unicamp e Unesp, todas estaduais. O segundo vive uma longa crise fiscal e não pode aumentar despesas com pessoal. Especialistas em contas públicas criticaram a decisão.

Antes da liminar do STF, o salário dos professores universitários estaduais podia chegar, no máximo, ao valor recebido pelos governadores. No caso de São Paulo, esse teto é o vencimento de R$ 23 mil mensais do governador João Doria (PSDB). No Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) ganha R$ 19 mil e no Paraná, o governador mais bem pago do país é Carlos Roberto Massa Júnior (PSD), com R$ 33 mil. Agora, o teto terá como referência o salário dos ministros do Supremo, de R$ 39 mil.

Temendo uma "fuga de cérebros" para universidades privadas e federais que pagam mais, a demanda é antiga nas estaduais paulistas. No entanto, foi no segundo semestre do ano passado que o assunto voltou com mais força à pauta, pois as universidades tiveram de cortar os salários de docentes que recebiam acima do valor fixado em lei.

O governo paulista disse nesta segunda-feira que não haverá mudanças nos valores repassados para as três universidades. Elas serão responsáveis por readequar seus orçamentos para atender à decisão do presidente do STF. As estaduais paulistas ainda não fecharam os cálculos sobre o impacto da mudança. Segundo levantamento feito pelo GLOBO em outubro, ao menos 1,2 mil professores da ativa em universidades estaduais paulistas tiveram parte dos ganhos reduzidos nas três escolas. Na USP, houve casos em que a redução chegou a R$ 5 mil.

As três universidades já gastam boa parte de seus orçamentos com o pagamento de salário para professores da ativa e aposentados. Na USP, por exemplo, essa despesa consumiu, em novembro do ano passado, 88,1% das receitas. Na Unesp essa conta foi de 86,8%, enquanto na Unicamp a folha de pagamento bruta consumiu 91,2% do orçamento daquele mês.

Segundo Marcelo Knobel, reitor da Unicamp e presidente do Cruesp, conselho que reúne as três faculdades paulistas, uma reunião será realizada na quarta-feira para definir o calendário de readequação salarial dos professores:

— Praticamente 20% dos docentes estavam com salários cortados por causa do teto, e agora eles terão os valores readequados. É uma decisão importante, principalmente para São Paulo, pois o nosso teto é um dos mais baixos do país, quase metade do valor nacional.

Ainda de acordo com Knobel, a liminar do STF também pode evitar uma onda de aposentadorias precoces que começava a se formar.

— Talvez isso possa servir de influência para os que estavam pensando em se aposentar para procurar outros trabalhos. Evita também o desmonte de grupos de pesquisas em universidades públicas — ressalta.

Em comunicado na página da USP, o reitor Vahan Agopyan comemorou a decisão do STF e afirmou que o “descompasso de remuneração vinha comprometendo a excelência no ensino e nas pesquisas, tornando a carreira desestimulante para os jovens docentes”.

Já o reitor da Unesp, Sandro Valentini, afirmou que o impacto na folha com os novos salários deve ser de R$ 4 milhões ao mês.

— Quando fizemos nosso cálculo (de redução salarial), já pensávamos em uma reversão. Nunca tratamos a redução como algo permanente. A decisão de equiparar os salários é muito importante para não desconstruir as três universidades de São Paulo.

A liminar do Supremo é uma resposta a uma ação movida pelo PSD, que argumentou que a diferença salarial dos professores estaduais e federais é “injustificável”. Segundo Knobel, para entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) era necessário que o pedido fosse feito por uma entidade de caráter nacional, diferente do Cruesp, ou por um partido político.

Em São Paulo, o teto remuneratório do funcionalismo tendo como valor máximo o salário do governador foi determinado na Constituição Estadual de 1989. As três universidades estaduais têm autonomia financeira de gestão, e o orçamento é parcialmente financiado via arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Os salários superiores ao teto, por exemplo, eram pagos a docentes que tinham mais tempo de casa, ou recebiam bonificações.

No Rio de Janeiro, as instituições de ensino superior ligadas ao estado são a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Fundação Centro Universitário da Zona Oeste do Rio de Janeiro (Uezo) e Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf). As universidades contam com cerca de 3250 docentes, segundo a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação, ao qual as unidades são vinculadas. Os rendimentos variam de R$ 1.868,08 e R$ 15.227,00, de acordo com carga horária que pode ser de 20 ou 40 horas, progressão de cargo, insalubridade e periculosidade. Ao todo, as faculdades atendem cerca de 50 mil estudantes, informou a assessoria.

LIMINAR AGRAVA IMBRÓGLIO NA UERJ

A decisão de Toffoli é mais um complicador para o governo do Rio de Janeiro. Em dificuldades financeiras, o estado aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) em 2017. O acordo fechado com a União permite adiar o pagamento das parcelas da dívida com o governo federal por três anos. Em troca, o Palácio Guanabara se comprometeu em fazer um ajuste fiscal, que inclui não aumentar os gastos com pessoal.

A liminar, que ainda deve ser submetida ao plenário do STF, pode agravar um imbróglio que já existe em relação à remuneração dos profissionais da Uerj, a maior das três universidades estaduais fluminenses. É que uma das cláusulas do acordo do RRF diz que alterações na estrutura de carreira do funcionalismo não podem ser feitas se implicarem em aumento de despesa.

Por isso, o Conselho de Supervisão Fiscal, que monitora o RRF do Rio, freou a implementação do novo plano de cargos da Uerj, que foi aprovado ainda na gestão do governo passado e que resultaria num aumento de R$ 217,1 milhões no gasto anual com pessoal.

O governador Wilson Witzel propôs, em outubro de 2019, compensar o aumento do gasto com os salários do servidores da universidade com a revisão de contratos para fornecimento de alimentação a presidiários. A medida, disse ele, traria economia de até R$ 389 milhões. O Conselho questionou o cálculo. Com isso, o caso seguiu para a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e segue sem solução.

No auge da crise fiscal do estado, a Uerj foi uma das principais prejudicadas. Entre 2016 e 2017, professores e funcionários passaram meses sem receber salários, e houve longas greves. Do orçamento total da universidade, mais de 65% vão para despesas com pessoal e encargos.

Procurado, o governo do Estado do Rio não comentou a decisão de Toffoli nem estimou eventual impacto financeiro. Informou apenas que, por estar sob o RRF, "todas as medidas que representem aumento de despesas têm que ser avaliadas" e que ainda analisará a decisão para se pronunciar sobre o assunto. O GLOBO não conseguiu contato com o reitor da Uerj, Ricardo Lodi Ribeiro.

RS E MG AVALIAM IMPACTO

No Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite (PSDB-RS) acredita que não haverá impacto significativo da liminar nas contas do estado, que também vive longa crise financeira:

— Vamos analisar, mas creio o efeito seja pequeno. Só temos uma instituição estadual, a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), cuja existência é recente (data de 2001).O orçamento é enxuto e os tetos salariais dificilmente chegam ao teto.

Em Minas Gerais, outro estado em dificuldades financeiras, o governo do Estado informou que por enquanto não vai se pronunciar sobre as consequências financeiras da decisão do STF no orçamento diante dos novos valores que serão pagos aos professores.

O Paraná seria outro muito impactado pela medida, pois tem sete universidades estaduais, o maior número entre estados brasileiros. No entanto, segundo o governo do estado, em julho do ano passado foi sancionada uma lei congelando o salário do governador, do vice e dos secretários em R$ 33 mil. A decisão se estende aos professores, o que os impede de chegar ao teto de R$ 39 mil pela liminar de Toffoli.

ESPECIALISTAS REPROVAM DECISÃO

O economista Raul Veloso considerou a decisão do ministro “insustentável” do ponto de vista fiscal e chamou a atenção para o risco de efeito cascata, com o estímulo ao mesmo pleito de outras carreiras.

— Como se diz no ditado popular, isso “é mexer em casa de marimbondo”, algo que não se deve fazer. É uma decisão que pode agravar ainda mais as contas públicas. Os estados estão quebrados. Além do mais, isso é uma quebra de hierarquia salarial que vai gerar uma pressão e uma onda por equiparação nas outras carreiras. Isso é um risco porque há várias carreiras do estado que são comuns à união, principalmente no Judiciário — afirma o especialista em contas públicas. — O que precisamos é que a União reduza esses tetos num processo gradativo. Talvez possa congelar os tetos e deixar de dar reajuste. É preciso levar em conta os tamanhos relativos dos orçamentos.

Para Margarida Gutierrez, economista, professora da Coppead/UFRJ, a decisão do ministro “desconsidera o desequilíbrio fiscal dos estados” e interfere na autonomia universitária.

— Existe hoje no Brasil um movimento de reduzir o desequilíbrio fiscal. Isso exige que todos os Poderes estejam alinhados nesse esforço. Essa decisão vai contra todas as reformas. É de um populismo a toda prova. Se o aumento do gasto público fosse solução, a gente não teria nenhum país pobre, tampouco pobreza — afirma a economista. — Além do mais, essa medida é uma intervenção direta. As universidades têm autonomia e fazem seu próprio plano de carreira e de cargos e salários.

Fonte: O Globo.