28 de março de 2024
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Briga de gigantes

Trump x Bezos:briga bilionária entre o presidente dos EUA e o dono da Amazon

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Quando o Pentágono colocou pela primeira vez na mesa o chamado contrato JEDI, em março de 2018, as apostas não poderiam ter sido mais altas.

Tratava-se do projeto Joint Enterprise Defense Infrastructure, uma plataforma de informação e segurança destinada a transferir informações confidenciais do Departamento de Defesa a um serviço de nuvem permanente e encriptado.

Ele deveria atender a 3,4 milhões de usuários exigentes, muitos deles com suas vidas dependendo do funcionamento correto do sistema.

Em vez de compartilhar a responsabilidade entre várias empresas, como esperavam companhias como Oracle e IBM, o Pentágono decidiu que este seria um contrato do tipo o "vencedor leva tudo". Um único projeto, um único provedor, um valor total de US$ 10 bilhões (cerca de R$ 41 bilhões).

Especialistas viram nisso uma oportunidade maravilhosamente "embrulhada para presente" para a Amazon. O Amazon Web Services (AWS) já era, de longe, a maior plataforma de nuvem do mundo, guardando dados confidenciais de milhões de clientes. Entre eles, a Agência Central de Inteligência dos EUA, a CIA.
"Não temos favoritos", insistiu Timothy Van Name, do Serviço Digital de Defesa, quando foi alvo de críticas na indústria das nuvens em geral. Surgiu um obstáculo no caminho, uma contestação judicial da Oracle que desacelerou o processo, mas o contrato ainda parecia estar prestes a aterrissar no colo de Jeff Bezos.
Mas não. Contrariando as expectativas, o Departamento de Defesa concedeu o contrato à Microsoft.

Agora, a Amazon está enfrentando o governo de Donald Trump, argumentando que o presidente interferiu injustamente no processo de escolha para prejudicar Jeff Bezos, devido à sua propriedade também do jornal Washington Post.

Sinalização ruim para possíveis contratos futuros
Até agora, em 2019, o AWS rendeu US$ 25 bilhões (R$ 100 bi) em vendas, gerando mais receita para a Amazon do que todas as vendas no varejo na América do Norte.

Assim, o contrato JEDI — com valor de US$ 10 bilhões em 10 anos — seria uma receita significativa, mas não crucial, em suas contas.

Mas o que deixou a Amazon tão enfurecida é o que a decisão do Pentágono pode representar para contratos semelhantes no futuro. Acredita-se que outros departamentos dos EUA, também precisando se modernizar, sigam o caminho do Pentágono.

Dan Ives, analista da Wedbush, empresa do setor financeiro, diz acreditar que as reclamações da Amazon não vão resultar na revogação do contrato JEDI. Desta forma, a Microsoft, que hoje tem 17% do mercado de nuvem, estaria pronta para capitalizar.

"É um divisor de águas para a Microsoft", explicou Ives em nota, "pois isso terá um efeito cascata para os negócios em nuvem da empresa nos próximos anos e fala sobre um novo capítulo da vitória (da Microsoft) na indústria em relação à Amazon."

Com mais de US$ 1 bilhão (R$ 4 bi) em gastos na nuvem previstos para a próxima década, essa perda inicial de US$ 10 bilhões poderá se revelar incrivelmente cara. Uma "derrota forte", como descreve Ives.

'Estou recebendo queixas tremendas sobre o contrato'
Os problemas de Jeff Bezos começaram a surgir em julho, quando o presidente Trump disse a repórteres ter escutado que "pessoas" estavam descontentes com a forma como o contrato do Pentágono havia sido conduzido.

Entre essas pessoas, estavam executivos da Oracle. Eles pressionavam agressivamente o presidente, argumentando que a decisão de conceder a Jedi a apenas uma empresa equivalia a uma "conspiração" que criaria um monopólio da nuvem.

"Estou recebendo queixas tremendas sobre o contrato com o Pentágono e com a Amazon. Estão dizendo que não foi um certame competitivo", disse o presidente americano. "Pedirei que olhem de perto para ver o que está acontecendo, porque tive muitos poucos casos com tantas reclamações."

Em 1º de agosto, foi anunciado que a escolha sobre o Jedi havia sido suspensa. O novo secretário de Defesa, Mark Esper, disse que iria reexaminar o processo, embora mais tarde tenha se recuado depois que foi divulgado que seu filho havia trabalhado para uma das empresas na competição.

Em 25 de outubro, o JEDI foi para a Microsoft. A Amazon ficou furiosa. No mês passado, a empresa interpôs um recurso em um tribunal federal.

A Amazon argumentou que a decisão do Pentágono não corresponde a uma avaliação justa das capacidades das concorrentes, mas foi "o resultado de uma pressão imprópria do presidente Donald J Trump, que lançou repetidos ataques públicos e nos bastidores para afastar o contrato JEDI do AWS e prejudicar Jeffrey P Bezos, percebido como seu inimigo político."

A ira de Trump
O presidente americano já deixou evidente em algumas ocasiões sua antipatia pela Amazon.

Antes de ser eleito, ele disse aos apoiadores na campanha que criaria "problemas" à Amazon, dizendo que ela usa o sistema postal do país "como entregador".

Talvez um dos principais motivos para a aversão de Trump a Bezos, o homem mais rico do mundo, é que este é dono do jornal Washington Post, um grande espinho cravado nas costas do presidente. Embora essa propriedade tenha sido um investimento pessoal de Bezos, e não da Amazon, Trump não faz essa distinção, referindo-se repetidamente ao jornal como o "Amazon Washington Post", sugerindo que Bezos usa o Post para promover a Amazon.

No Twitter, Trump chamou o contrato JEDI como um "resgate a Bezos". Seu filho, Donald Trump Jr, também tuitou que a Amazon estava conduzindo "práticas obscuras e potencialmente corruptas" que "poderiam fazer o tiro sair pela culatra".

Em sua reivindicação judicial, a Amazon disse que essas interferências "destruíram" a capacidade do Pentágono de ser imparcial em sua tomada de decisão.

"Cada uma dessas mensagens veio enquanto (o Departamento de Defesa) estava avaliando as propostas JEDI e teria sido praticamente impossível para qualquer pessoa envolvida no projeto ignorá-las", diz a reclamação da empresa.

Segundo a agência de notícias AFP, a disputa legal não atrasará o progresso do projeto.

"Vamos lidar com as ações legais da Amazon. Não posso comentar sobre isso agora", disse a subsecretária de Defesa para Aquisições, Ellen Lord, na terça-feira.
"Mas vou lhe dizer: estamos avançando com o contrato JEDI."