29 de março de 2024
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CAMPANHA ABERTA

Em campanha, Governo desvia R$ 89,9 milhões dos pobres para comprar tratores

São 247 tratores com compra efetivada no apagar das luzes de 2021

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A cifra é R$ 89,8 milhões que deveriam ser usados para auxiliar comunidades pobres impactadas pela pandemia de covid-19. Jair Bolsonaro (PL), devido a aberta campanha com a máquina pública, desviou esses recurso para compra de tratores. A denúncia é da Folha de S. Paulo

Segundo o site, a aquisição dos equipamentos foi feita sem que houvesse uma lista de municípios beneficiados e contraria uma orientação do Tribunal de Contas da União (TCU).

O órgão de fiscalização da verba pública autorizou o uso da verba exclusivamente para “o custeio de despesas com enfrentamento do contexto da calamidade relativa à pandemia de covid-19”.

Além de não ter relação com a pandemia, a compra de tratores é investimento, não custeio.

A verba foi retirada do programa de Fomento Rural, voltado para famílias pobres no campo. Especialistas apontam que as propriedades dessas famílias são, em geral, pequenas demais para o uso das máquinas compradas.

São 247 tratores com compra efetivada no apagar das luzes de 2021, antes mesmo de a pasta definir a relação de municípios beneficiados, o que denota a ausência de critérios técnicos.

Compra de milhares de máquinas agrícolas tem sido motivo de crise no governo Bolsonaro. A partir de processo licitatório do Ministério do Desenvolvimento Regional, políticos aliados usaram as chamadas emendas de relator do Orçamento para direcionar os equipamentos a suas bases eleitorais, fazendo claramente, campanha com a verba pública. Aliás, eles já conseguiram um Fundão bilhonário para isso, mas ainda não tiveram acesso aos valores, portanto, estão se adiantando.  

A diferença agora é a digital do governo federal. Os recursos para essa compra são do próprio orçamento da União.

Mato Grosso do Sul está numa lista com 10 tratores que ainda não foi definido para qual municípios irão. Ao todo 23 estados foram "beneficiados". 

As movimentações na Cidadania para direcionar dinheiro para maquinários começaram em meados do ano passado, segundo relatos e documentos obtidos pela reportagem.

Em junho, o TCU autorizou que sobras de orçamento resultantes da transição do programa Bolsa Família para o Auxílio Brasil pudessem ser liberadas. A decisão atendeu pedido da pasta da Cidadania.

Mas o tribunal condicionou sua utilização.

O dinheiro, diz o acórdão do TCU, "deverá ser direcionado exclusivamente ao custeio de despesas com enfrentamento do contexto da calamidade relativa à pandemia de Covid-19 e de seus efeitos sociais e econômicos e que tenham a mesma classificação funcional da dotação cancelada ou substituída".

O governo Bolsonaro, entretanto, ignorou as duas coisas: os gastos não têm relação com a Covid e as compras são de investimentos, não de custeio. A relação entre as compras de tratores e o combate à Covid também tem sido questionada internamente por técnicos da pasta.

O crédito suplementar, de R$ 90 milhões, veio em 3 de novembro, em portaria do Ministério da Economia. O recurso foi vinculado à ação orçamentária "20GD - Inclusão Produtiva Rural".

É nessa rubrica que está o programa Fomento Rural, que sempre foi operacionalizado em duas vertentes: apoio técnico aos agricultores e transferência de dinheiro para as famílias — sempre com foco na população rural pobre, inscrita no Cadastro Único.

O número de beneficiados desabou sob governo Bolsonaro, que preferiu comprar máquinas a atender milhares de famílias.

CAMPANHA COM VERBA DA UNIÃO

Em março, o então João Roma (Cidadania) assinou a portaria 755, que instituiu uma chamada Estrutura de Mecanização Agrícola (MAG-SAN) no Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Não houve nenhuma publicidade sobre a nova medida.

"O objetivo específico do MAG-SAN é prover a infraestrutura mecânica para famílias inscritas no CadÚnico e que possuam domicílio rural, com vistas à estruturação das atividades produtivas e contribuir para o incremento da renda e do patrimônio no âmbito dos programas e ações que compõem o Sisan, especialmente por meio do Programa Fomento Rural", diz a portaria.

O ato diz que os equipamentos devem ser usados para ações como preparo do solo, semeadura, plantio, aplicação de adubos e fertilizantes, colheita e escoamento. A compra dos 247 maquinários inclui motoniveladoras e pá-carregadeiras.

Em 23 de março, a coordenadora-geral de Fomento, Andreza Colatto, assinou no sistema eletrônico do governo, às 16h31, o termo de recebimento dos equipamentos (embora eles estejam na empresa). Um minuto depois já aparece no sistema despacho que solicita a liquidação dos pagamentos.

A mesma coordenadora cita o calendário eleitoral para tentar agilizar as transferências, em despacho de 15 de abril.

A pasta só estabeleceu a quantidade de equipamentos por estado. O maior beneficiado é a Bahia, estado do próprio ex-ministro João Roma, pré-candidato ao governo estadual pelo PL, mesmo partido de Bolsonaro.

Roma negou irregularidade. A pasta não respondeu aos questionamentos da reportagem.

A empresa contratada, no entanto, é a mesma beneficiada pelas emendas: a chinesa XCMG, cuja sede no Brasil fica em Pouso Alegre (MG). A Cidadania aderiu, em 7 de dezembro, a atas de registro de preços resultantes do pregão realizado pelo Desenvolvimento Regional em 2020.

Roma é quem assina, como ministro na ocasião, o despacho para liberar a compra, em 27 de dezembro de 2021.

Já nos dois dias seguintes, o governo efetivou empenhos no valor total de R$ 89,9 milhões em favor da empresa, como se vê no Portal da Transparência. O contrato com a XCMG, no entanto, só foi assinado em 30 de dezembro.

As máquinas estão paradas no pátio da XCMG, segundo documentos do governo obtidos pela Folha.

A Cidadania não concluiu as exigências técnicas para escoar os equipamentos aos municípios, como a própria definição de cidades e os termos de doação às prefeituras que ficarão responsáveis pelos equipamentos.

A empresa não recebeu os pagamentos, e técnicos da pasta têm questionado as lideranças políticas sobre o atendimento dos trâmites legais. Apesar disso, há dentro da pasta pressão para que o dinheiro seja depositado para a XCMG.

Enquanto gasta R$ 89,9 milhões na compra de tratores, a Cidadania ainda ignorou pedido da área técnica da pasta para incluir mais 45 mil famílias de extrema pobreza que vivem no campo em iniciativa de transferência de recursos diretos.

Essa ação, dentro do Fomento Rural e citada no processo dos maquinários, custaria R$ 108 milhões e não foi atendida até agora.

João Roma disse à Folha que não houve desvio de finalidade na utilização dos recursos, pois a compra de máquinas agrícolas é uma ação que integra a área de fomento rural e que, portanto, atende as pessoas do programa.

O pré-candidato a governador negou que tenha privilegiado a Bahia. Afirmou que a escolha se deu por critérios técnicos, entre eles o tamanho do território e da população baiana.

Sobre a preferência na compra das máquinas e não por incluir novas famílias no programa, afirmou que "uma ação não exclui a outra" e que não se pode "sacrificar por completo" outras ações.

A XCMG foi procurada e não respondeu.