A atuação do Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap) é alvo de investigação da Polícia Federal como parte da chamada “farra dos descontos” em aposentadorias do INSS.
A entidade figura entre as associações autorizadas a reter mensalidades diretamente dos benefícios previdenciários e, segundo as apurações, teria arrecadado mais de R$ 200 milhões desde dezembro de 2022.
A apuração policial, deflagrada por meio da Operação Sem Desconto, aponta para a prática sistemática de cobranças não autorizadas a aposentados e pensionistas. O Cebap é vinculado ao empresário Maurício Camisotti, suspeito de comandar ao menos três entidades através de terceiros, sem registro formal de controle. Informações de fontes internas das associações indicam que familiares e pessoas próximas ao empresário atuavam nos cargos de direção até o avanço das investigações. Maurício Camisotti tem ligações com políticos, especialmente do Partido Progressistas (PP). Ele foi investigado por pagamentos de propina a figuras como Ciro Nogueira, ex-ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro, e Ricardo Barros, líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados de 2020 a 2022, que foi Ministro da Saúde entre 12 de maio de 2016 e 2 de abril de 2018, durante o governo Temer. Camisotti já tinha sido apontado na CPI da COVID como financiador oculto da PRECISA, empresa que intermediou a compra da Covaxin no auge da pandemia.

Um dos nomes que chama a atenção entre os dirigentes é o de Sonia Maria de Oliveira, de 64 anos, irmã do apóstolo Valdemiro Santiago, fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus. Ela aparece nos registros oficiais como secretária-geral do Cebap e já atuou como presidente da comissão eleitoral da entidade. A relação familiar, embora negada como relevante pelas entidades, gerou repercussão por conta da visibilidade do líder religioso, que enfrenta processos judiciais e bloqueios milionários por dívidas.
Desde a habilitação do Cebap para descontos em folha, os valores arrecadados cresceram rapidamente. Em seu primeiro mês, junho de 2023, foram R$ 388 mil; menos de um ano depois, o montante mensal já ultrapassava R$ 9 milhões. Relatórios da Controladoria-Geral da União apontam que a maior parte desses descontos não contou com consentimento formal dos beneficiários.
As entidades investigadas negam qualquer irregularidade. Em nota, os advogados responsáveis pela defesa do Cebap e da Unsbras — outra associação também citada nas investigações — afirmaram que as nomeações atenderam aos requisitos legais e que não há relação direta entre laços familiares e a gestão institucional. Segundo eles, a presença de familiares de figuras públicas é fruto de "mera coincidência".
A Polícia Federal, no entanto, sustenta que parte da estrutura dessas associações foi montada com o uso de laranjas e que há indícios de que os recursos arrecadados abasteceram contas ligadas ao empresário investigado. O caso também levou à queda do presidente do INSS e do então ministro da Previdência, após a deflagração da operação.
Como parte das medidas de contenção, o INSS suspendeu os acordos de cooperação técnica com as entidades envolvidas. Foram adotadas novas regras para autorizações de descontos, com exigência de biometria, assinatura eletrônica e canal exclusivo para reclamações e cancelamentos.
Parlamentares discutem a criação de uma comissão para acompanhar o caso no Legislativo, diante da magnitude das denúncias e dos impactos sobre milhões de beneficiários da Previdência Social. A atuação das entidades, agora sob forte escrutínio, expõe fragilidades nos mecanismos de controle e fiscalização das parcerias firmadas pelo poder público com organizações civis.