24 de abril de 2024
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MEIO AMBIENTE

Preservação precária: peixe 'pintado' entra na lista de extinção

Proibição da pesca da espécie começa a valer em 180 dias

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Já foi comum em Mato Grosso do Sul sair para pescar no final de semana e fisgar um peixe de couro, com coloração acinzentada e diversas pintas pretas cilíndricas pelo corpo. Então, o apelidaram de 'pintado'. A espécie é Pseudoplatystoma corruscans, que entrou na terça-feira (7.jun.22) para a lista de animais em extinção no Brasil. Eis a íntegra.  

A portaria foi publicada pelo Ministério do Meio Ambiente. Na relação de espécies que terão pesca restrita está o pintado. A norma entrará em vigor daqui 180 dias. A última vez que o rol de espécies havia sido atualizado foi em 2014.

Recentes estudos realizados na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) alertaram para uma provável extinção do pintado e também do dourado (Salminus brasiliensis), peixes antigamente eram os queridos por pescadores, mas que passaram a serem gradualmente extintos em consequência do isolamento geográfico decorrente das barragens dos reservatórios de usinas hidrelétricas.

Na Lista Nacional de Estinção o pintado é 448º animal que pode 'desaparecer' do bioma brasileiro. Essa é a primeira vez que o animal consta na lista nacional, com 1.249 espécies.

De acordo com o estudo conduzido pela engenheira de pesca Josiani Ribolli e publicado em julho de 2021 na revista científica Neotropical Ichthyology. “Baixos valores de variação genética podem limitar a sobrevivência de qualquer população”, afirma o biólogo Pedro Galetti, coordenador do grupo de pesquisa na UFSCar. Nesse estudo, além do pintado, os pesquisadores apontavam para o risco do dourado também desaparecer. 

Mato Grosso do Sul proibiu a pesca de peixe dourado até 2024, por meio da Lei n° 5.321, sancionada em 11 de janeiro de 2019 pelo governador Reinaldo Azambuja. A multa para quem descumpre a lei é mais de R$ 2,7 mil, equivalentes a 100 Unidade Fiscal de Referência de MS (Uferms). 

Apesar de considerar uma medida favorável proibir os pescadores de avançar contra a espécie, segundo o estudo, porém, o principal estimulador da extinção dos animais são os grandes empresários do ramo de hidrelétricas.  

Peixes que migram, como o dourado, formam subpopulações geneticamente distintas dentro da mesma bacia hidrográfica. “Os que sobem o rio Uruguai em outubro são geneticamente diferentes dos que migram em novembro ou no fim da época de reprodução, em dezembro”, diz Galetti. "Vimos que um grupo não encontra o outro e se reproduz em momentos diferentes, ainda que seja da mesma espécie". 

O isolamento causado pelas barragens desorganiza as populações de pelo menos três formas, indicaram os estudos do grupo da UFSCar. Em primeiro lugar, os peixes permanecem sexualmente imaturos, porque, sem nadar rumo às nascentes dos rios, o desenvolvimento dos órgãos sexuais não é ativado. Outro efeito é que as diferenças genéticas e morfológicas entre os grupos de um lado e de outro das barragens podem aumentar, a longo prazo, dificultando a reprodução. Por fim, cai a variação genética entre os indivíduos de cada população por cruzarem entre si e não com integrantes de outros grupos.

“Quanto menor a variação genética, mais os indivíduos se tornam suscetíveis à seleção natural, com chance menor de sobreviverem se, por exemplo, aumentar a temperatura”, alertou Galetti, na época.  

Para Galetti, o risco de extinção de peixes migratórios poderia ser amenizado com planejamento mais acurado antes da construção das barragens e um monitoramento de longo prazo dos efeitos da hidrelétrica. “Não podemos fazer aleatoriamente o fechamento de um rio nem o repovoamento de peixes”, diz ele.