26 de abril de 2024
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O risco de o segredo de justiça continuar o segredo de Olarte

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Quatro? Oito? Dez? Vinte? Afinal, quantas pessoas ligadas à política de Campo Grande experimentaram nos últimos dias algum tipo de intervenção do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado)?

Na semana passada, os policiais apreenderam documentos na casa do prefeito Gilmar Olarte (PP) e prenderam dois de seus seguranças e um ex-assessor. Dias depois, o mesmo Gaeco em nova investida intimou para depor outras pessoas ligadas ao prefeito por vínculos políticos ou laços religiosos, já que Olarte é pastor e chefe da Igreja Assembléia de Deus Nova Aliança. Agora, nesta terça-feira, as batidas policiais sacudiram a Câmara Municipal e até residências de vereadores.

Impossível aos cidadãos comuns dar uma resposta exata com total segurança sobre quantos são os alvos da operação, quais as razões da apreensão de documentos e qual o conteúdo destes. Impossível também aos cidadãos comuns entender porque cargas d´água o principal personagem desse processo novelesco permite o uso indiscriminado de seu nome e de sua história em especulações das mais variadas, algumas de vestimenta sórdida.

SEM RESPOSTA - O segredo de Justiça não proíbe o prefeito de convocar uma coletiva para responder às perguntas dos jornalistas que ainda estão sem resposta. São perguntas de toda a sociedade, que paga seus salários e que deve ser, segundo os compromissos que assumiu, a razão de ser de seu mandato, obtido legitimamente nas urnas, de onde saiu vice-prefeito, embora a titularidade no cargo principal tenha sido conquistada num processo polêmico e, ao que se vê, só terá um fim depois que tudo estiver esclarecido publicamente. Enquanto isso não ocorre, o segredo de Justiça que em princípio protege Gilmar Olarte pode transformar-se no segredo desqualificador, por presunção generalizada, do político e do cidadão Gilmar Olarte. E segredos num cenário como este são fatais para a trajetória social e política de qualquer pessoa.

Não é preciso ser especialista em política, em Direito ou em investigação policial para concluir que existe algo de muito podre no reino instalado por José Antonio Pereira. Se de um lado não se pode condenar ninguém - porque não se sabe a transgressão de cada um ou mesmo se existe transgressão -, de outro lado é natural que as especulações comecem a fluir, parte delas com bases factuais inc0ntestáveis.

Todos sabem que Olarte assumiu a prefeitura graças a manobras políticas, com amparo da Justiça, para derrubar Bernal. Os atores desse processo de defenestração estão, em grande parte, assentados na esfera de poder do atual prefeito. São vereadores, advogados, técnicos, religiosos, políticos sem mandato e até filho de desembargador. A partilha de cargos, ao que se constatou, foi feita bem antes da sessão da Câmara que derrubou Bernal, que antes de cair já avisava que teria como provar a existência de um complô para apeá-lo do cargo. Entre seus trunfos,  vídeos que seriam capazes de incriminar alguns participantes da degola.

FÁBRICA DE VERSÕES - A terça-feira, 22 de abril, foi das mais produtivas para a fábrica de versões implantada em torno dos principais poderes políticos da capital, a Prefeitura e a Câmara.

No Legislativo, três vereadores do PT do B (Flávio César, Eduardo Romero e Otávio Trad) foram notificados pelo Gaeco para depor. Nenhum deles soube dizer porque.  Mas a quadra política expõe situações e envolvimentos específicos de cada um. Eduardo Romero, por exemplo, que namorou a vereadora Grazielle Machado (PR), foi um dos principais acusadores de Bernal. Flávio César, vice-presidente da Casa, teve atuação decisiva como relator do processo de cassação de Bernal, e é sobrinho de um dos assessores de escalão superior nomeados por Olarte. E na condição de vice, é ele quem assume a presidência da Mesa Diretora, cujo titular, Mário César (PMDB), coincidência ou não, andou sumido nos dias quentes da operação policial. Não havia nenhuma intimação para ele, é bom frisar. E Otávio Trad é sobrinho do antecessor de Bernal e pré-candidato ao governo, o ex-prefeito Nelsinho Trad (PMDB).

Flávio César e Romero não estavam na Câmara quando os policiais chegaram. Informou-se ainda que outros sete vereadores teriam sido procurados em suas casas pelo Gaeco nesse mesmo dia. Vale pontuar que as notificações são assinadas pelo promotor de Justiça Marcos Alex Vera de Oliveira.  Na prefeitura, o Gaeco  foi direto ao gabinete do secretário de governo, Rodrigo Pimentel. Ele, que é filho do desembargador Sideni Pimentel, foi outra figura determinante na montagem do processo para cassar Bernal.  E na Assembléia Legislativa a intimação foi entregue a Ismael Faustino,  ex- assessor do suplente de deputado estadual Rinaldo Modesto (PSDB), que ocupava a vaga de Carlos Marun, licenciado para comandar a Secretaria Estadual de Habitação. Modesto é irmão da vereadora Professora Rose.

No Parque dos Poderes, circula com intensidade e por fontes de crédito a informação de que o PMDB quer tirar sua digital da gestão de Olarte. Difícil, porque o partido trabalhou aberta e ostensivamente para cassar Alcides Bernal. E depois da ascensão de Olarte, a legenda foi aquinhoada com espaços importantes na administração e na política. Na administração, entre outros cargos, os peemedebistas comandam - com o vereador Edil Albuquerque, presidente da Comissão Processante - a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, Turismo e do Agronegócio (Sedesc). A médica Lilian Maksoud, ao que consta, preside o Instituto Municipal de Previdência com apadrinhamento do vereador do PMDB Paulo Siufi, ex-presidente da Câmara. E na política, o PMDB ampliou seu poder no Legislativo: com o aproveitamento de vereadores na assessoria de Olarte, o partido recuperou duas cadeiras para dar assento aos suplentes Magali Picareli e Loester de Oliveira, que não conseguiram se reeleger.

De todos esses episódios e contextos específicos, forma-se uma conjuntura de instabilidade administrativa e política num ano eleitoral. E cada vez mais no centro do furacão, o prefeito Gilmar Olarte governa como se fosse Dâmocles, com uma espada afiada sobre a cabeça. Não pode errar. E se o seu silêncio obstinado for um erro, a mesma bala que fez Bernal tombar pode ter uma réplica ziguezagueando nos altos da Avenida Afonso Pena.

Heloísa Lazarini