26 de julho de 2024
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DIREITOS TRABALHISTAS

Freguês da PF: fazendeiro é multado em R$ 667 mil por 'escravidão' no Pantanal

Trabalhadores foram resgatados numa fazenda há 180 quilômetros de Corumbá

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João Roberto Baird, um dos pivôs da Operação Lama Asfáltica e fazendeiro sul-mato-grossense, dono de 15 mil hectares no Pantanal, foi multado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em R$ 667 mil, em razão de manter 5 funcionários em condições análogas à escravidão

Há muitos anos, Baird começou a ter relações com política em MS e desde então, foi alvo de operações por tentar obter vantagens indevidas. Ele foi denunciado por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

No auge da Operação Lama Asfáltica, entre 2015 e 2016, Baird tinha um jatinho Embraer Phenon 100. Ele comprou a aeronave por meio da Itel Informática, usando uma linha do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que financiou o avião a juros módicos. A aeronave custou R$ 6,4 milhões, e operava como meio de transporte de autoridades na época. 

Mesmo ostentando tal capital, Baird mantinha trabalhadores em condições degradantes, dormindo em tarimbas sob lonas e bebendo num tanque junto aos animais silvestres. A intenção do fazendeiro era explorar a mão-de-obra do grupo, para que eles fizessem 'cercas' por 90 dias na robusta propriedade há 180 km de Corumbá. 

Apesar disso, os planos de Baird foram interceptados por agentes operação “Pantanal Paiaguás”, realizada entre os dias 12 e 17 de março. Além do MPT, a operação envolveu equipes da Polícia Militar Ambiental e a Polícia Federal, essa última, a qual Baird se 'tornou freguês'.  

LOCAL ONDE FORAM ENCONTRADOS

Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho, PF e PMA percorreram propriedades rurais e flagraram vítimas isoladas. (Foto: Ascom/ MPT-MS)Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho, PF e PMA percorreram propriedades rurais e flagraram vítimas isoladas. (Foto: Ascom/ MPT-MS)

As autoridades disseram que os cinco trabalhadores foram localizados isolados em meio à mata, dentro de uma fazenda que atua no ramo da pecuária bovina. O local é tão isolado, que foi necessária a utilização de um helicóptero e de um barco, cedidos pela Casa Militar do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul e pelo Grupo Especial de Polícia Marítima de Corumbá, da Polícia Federal, respectivamente, já que nesta época do ano a região fica alagada.

Policiais da Polícia do Ministério Público da União (MPU) realizaram a escolta e acompanhamento do procurador do MPT durante as diligências, as inspeções e as audiências.

No local, foi registrado em imagens: os trabalhadores estavam pernoitando em 4 barracos improvisados, construídos com varões de arbustos e cobertos com lona plástica. Eles estavam dormindo em redes e estruturas precárias, dispostas sobre tocos.

A equipe trabalhista avaliou que aquelas condições expunham os trabalhadores a intempéries, animais peçonhentos e silvestres.  

Também não havia banheiros. A água disponível ficava armazenada em um tanque pipa e servia para uso geral — beber, cozinhar e tomar banho. Os trabalhadores disseram que a água tinha gosto de ferrugem, e que até capivaras foram vistas bebendo desta mesma água.  

Residentes em Corumbá, os trabalhadores foram contratados de forma irregular para construir cercas na fazenda, por um intermediador de mão de obra. 

“O cercamento da propriedade rural é uma atividade lícita, porém, não pode ser executada nestas condições, que configuram o crime de redução à condição análoga à de escravo”, explicou o procurador do Trabalho Paulo Douglas de Moraes.

Nenhum dos trabalhadores teve o registro formalizado em carteira ou receberam equipamentos e dispositivos de proteção individual, para se prevenir de acidentes.

Conforme o acordo feito no momento da contratação, eles deveriam permanecer no local de trabalho pelo período de 90 dias, para só então serem conduzidos à cidade, onde finalmente receberiam o saldo dos valores das diárias trabalhadas nesse período. Também não foi concedido o direito ao repouso semanal remunerado de 24 horas consecutivas.

CUSTOS APÓS A OPERAÇÃO

Em razão terem sido vítima da chamada escravidão contemporânea, cada um dos trabalhadores recebeu na 4ª. feira (22.mar.23), pouco mais de R$ 37,4 mil de verbas rescisórias pelos serviços prestados, e os cinco vão dividir R$ 240 mil referentes à indenização por danos morais individuais, equivalente a 20 vezes o valor do salário acordado no momento da contratação.

O pagamento destes valores foi pactuado com o MPT-MS por meio de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), assinado pelo procurador do Trabalho Paulo Douglas de Moraes e por representantes legais da propriedade rural, durante audiência administrativa, realizada no dia 15 de março, nas dependências da Polícia Federal no município de Corumbá.  

O proprietário da fazenda também deverá pagar outros R$ 240 mil, a título de dano moral coletivo, como forma de reparação à sociedade. O valor será revertido a entidades e instituições que promovam direitos sociais de interesse coletivo.  

LAMA ASFÁLTICA

Ao lado do empresário dono da empreiteira Proteco, João Alberto Krampe Amorim dos Santos, João Baird foi um dos alvos da Operação Lama Asfáltica da Polícia Federal, ação contra a corrupção e lavagem de dinheiro desencadeada na década passada, durante as gestões de André Puccinelli (MDB) no governo do Estado. O ex-governador, inclusive, chegou a ser preso durante a operação. 

Em 2018, na 6ª fase da Lama Asfáltica, em novembro de 2018, Baird chegou a ser detido, alvo de mandados de prisão. 

Baird era dono da extinta Itel Informática, empresa que chegou a deter dezenas de milhões de reais em contratos com o governo do Estado. 

Atualmente, há investigações em andamento de empresas chamadas de “herdeiras da Itel”. Nestas empresas, os sócios de Baird continuaram em atividade e continuam com contratos com a administração pública, sobretudo na área fazendária.