26 de abril de 2024
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"BRASIL COLÔNIA"

Forte Coimbra e outras 221 áreas serão privatizadas pelo Governo Federal

Ministério do Turismo copia plano e entrega áreas à governo português

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O governo Federal, por meio do Ministério do Turismo, pretende implantar o Revive, programa que prevê transformar parques de reserva e áreas indígenas em pontos turísticos comerciais. O programa prevê a privatização de 222 propriedades da União em todo o Brasil, 37 destas estão localizadas em Mato Grosso do Sul, na região pantaneira. 

O programa concede construções históricas sem uso ou em estado de ‘deterioração’ para que empresas privadas explore essas por meio do turismo. Ainda não há um modelo claro para implantação da ação. 

Em publicação, o site The Intercept Brasil, que teve acesso aos documentos internos do Ministério do Turismo revelou planilha produzida nos primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro (PSL), os levantamentos citam áreas em 17 estados além do Distrito Federal, essas áreas serão repassadas à iniciativa privada, conforme o documento. 

Na lista fornecida pelos governos estaduais a pedido do ministério do Turismo, as áreas de MS que devem ser exploradas pelo Revive são terrenos, edificações, Área de Preservação Ambiental (APAs), monumentos e sítios arqueológicos localizados em sete municípios: Alcinópolis, Corumbá, Dourados, Eldorado, Miranda, Naviraí e Porto Murtinho. (Veja aqui aqui a lista completa). 

Grandes pontos de preservação da fauna e flora devem ser entregues aos empresários, o caso do Forte Coimbra, em Corumbá, reserva indígena de Dourados, quatro edificações da estação ferroviária em Miranda, Parque Nacional da Ilha Grande, em Naviraí, 20 terrenos não especificados na Bacia do Rio Paraná, em Eldorado e a trecho da orla do Rio Paraguai, entre área de Bonito e Serra da Bodoquena. (Aquí a lista de áreas apenas de MS).

As unidades de conservação serão usadas para a prática do que a Pasta chamou de “turismo ecológico” em geral e de recreação em contato com a natureza. Segundo o documento além de reparação no bem existente, os empresários poderão fazer novas obras, à gerir a necessidade de conforto dos clientes.

De acordo com a reportagem do The Intercept, o governo brasileiro conheceu o programa de perto em junho, quando quatro funcionários do Ministério do Turismo passaram uma semana em Portugal.

A decisão de copiar literalmente 'coloca poder nas mãos dos portugueses' — do setor público e privado. O plano de trabalho prevê, por exemplo, que o desenho do imóvel piloto do programa no Brasil será definido em conjunto com os portugueses.

Por e-mail, a assessoria de imprensa do ministério disse que não há nada definido e que o piloto irá focar em prédios desocupados, levando em conta tanto a distribuição geográfica quanto “a relação do imóvel com a cultura lusófona”.

MANOBRA DE 'GALÉ'

A cúpula do Vila Galé é convidada especial para um seminário organizado pelo Ministério do Turismo em que, pela primeira vez publicamente, o programa Revive será discutido no Brasil.  Divulgação/Ministério do Turismo.  

Na definição de qual será o imóvel piloto, vale prestar atenção às movimentações do Vila Galé, segundo maior grupo hoteleiro de Portugal, atrás do Pestana. A empresa esteve na linha de frente da implementação inicial do programa na Europa. Foi justo o primeiro hotel viabilizado com o programa, erguido sobre a estrutura de um convento na região do Alto Alentejo, que recebeu a comitiva liderada por Mateus Martins durante parte da passagem por Portugal em junho.

No Brasil, o Vila Galé já está sendo pioneiro. No último dia 24 de setembro, o grupo assinou um termo de compromisso com o governo da Bahia. Os portugueses farão um “estudo de viabilidade técnica, econômica e jurídica” para um “Projeto de Intervenção” no prédio sede do Palácio Rio Branco, para a “instalação de empreendimento hoteleiro de nível superior (hotel de luxo)”. Pelo prazo previsto no acordo, o estudo deve estar concluído até o Natal. O palácio foi centro de decisão e residência oficial dos primeiros governadores do Brasil e vice-reis de Portugal ainda no século 16 e seguiu assim até o início do século passado, quando foi bombardeado numa revolta.

Ainda em junho, o secretário de Turismo da Bahia, Fausto Franco, deu o tom do que está por vir. “Estamos mapeando imóveis que podem ser incluídos numa primeira etapa, a fim de impulsionar a instalação de novos restaurantes, hotéis, cafeterias, lojas de artesanato e outros equipamentos que ativem o mercado turístico, com desenvolvimento econômico”, disse o secretário.

A cúpula do Vila Galé é convidada especial para um seminário organizado pelo Ministério do Turismo em que, pela primeira vez publicamente, o programa Revive será discutido no Brasil. O encontro de três dias, sobre aproveitamento de patrimônios históricos e culturais, acontece entre 23 e 25 de outubro, em Porto Alegre. Representantes do Instituto Turismo de Portugal também estarão presentes.

Duas semanas antes do convite ser enviado, os responsáveis do Vila Galé estiveram no Ministério do Turismo, onde se reuniram com Babington dos Santos, o secretário de Integração Interinstitucional. Conhecido como Bob Santos, ele é uma figura muito importante nessa articulação. Grande parte das definições sobre o programa passam por ele. É dele a atribuição regimental de “delimitar e promover a regularização e o desenvolvimento turístico das áreas de domínio da União com potencial para o desenvolvimento do turismo e de articular programas, projetos e ações que promovam a realização de concessões e parcerias público-privadas para o desenvolvimento de destinos turísticos”.

Mas o poder de Bob Santos não é mera questão de palavras. Ele chegou ao ministério ainda no ano passado, em maio. Veio apadrinhado por Herculano Passos, deputado federal pelo MDB paulista que preside a Frente Parlamentar do Turismo. Passos é um dos maiores representantes dos interesses do setor hoteleiro e turístico em geral no Congresso. Uma de suas bandeiras é a legalização dos cassinos no país. Recentemente, foi designado por Jair Bolsonaro vice-líder do governo na Câmara. Foi também de Passos a indicação, chancelada pela Frente Parlamentar, de Marcelo Álvaro Antônio para o ministério. Bob Santos foi o principal assessor de Passos desde o início do mandato do deputado, ex-prefeito de Itu, na Câmara. Uma eventual queda de Marcelo Álvaro Antônio não deverá afetar sua permanência na pasta. E a equipe que está tocando o Revive é quase toda subordinada a ele.

*Com The Intercept Brasil.