28 de março de 2024
Campo Grande 25ºC

EDITORIAL

Entrevista de Moro e afronta sobre indicação na PF assustou Bolsonaro

Posicionamento político e estratégia pode ter deflagrado medo de Bolsonaro contra ministro da Justiça

A- A+

EDITORIAL | MS NOTÍCIAS - Toda a briga entre o ministro da Justiça Sérgio Moro e Jair Bolsonaro está em torno de uma indicação, a do nome para chefiar a Polícia Federal, a mesma que tem como alvo o filho do presidente.

Um inquérito sigiloso sobre as transações imobiliárias suspeitas do senador Flávio Bolsonaro está estacionado, a Polícia Federal iniciou investigação no primeiro semestre de 2018, antes das eleições, para apurar a suspeita de que o filho do presidente da República, cometeu crime eleitoral e lavagem de dinheiro. Na época, Flávio era deputado estadual. 

Na tarde de ontem, uma medida adotada por Bolsonaro revelou seu grande temor de Moro. Ao reunir-se com 27 secretários estaduais de segurança para levantar a possibilidade de desmembrar o Ministério da Justiça e Segurança, com isso, tirando o ministro Moro da Segurança Pública. A medida foi anunciada às escuras, sem a presença de Moro, que foi despachado horas antes, sem se quer ser convidado ou comunicado sobre o encontro. 

A queda de braço sobre a indicação na PF começou no final de 2019, quando Bolsonaro havia tentado indicar um nome para o lugar do delegado Maurício Valeixo em setembro, mas o ministro resistiu publicamente. Falando da proposta, levada pelos secretários, o presidente comentou. “Isso é estudado”, disse, “é lógico que o Moro deve ser contra, mas é estudado com os demais ministros. ”

Segundo Bela Megale, Moro disse que uma das condições que o fizera aceitar o cargo de ministro da Justiça era estar à frente da Segurança Pública, sem a pasta ele deixa o governo, disse a colunista. 

O que pode ter criado alerta aos olhos do presidente foi a ótima entrevista dada por Moro ao Roda Viva, na terça-feira (21), entrevista que teve imensa repercussão e onde Moro se mostrou mais inteligente, estratégico e muito mais político do que Bolsonaro. Moro também saiu na frente ao demonstrar publicamente “não estar no cabresto de Bolsonaro”, marcando diferenças com o presidente em matérias como liberdade de imprensa, delações premiadas e juiz de garantias.

Em determinada altura da entrevista Moro chegou a dar a entender que pode tentar trilhar carreira política, o que pode ter ligado todos os ‘alertas’ de Bolsonaro contra ele, que seria um concorrente esmagador, já revelado em pesquisa que venceria Bolsonaro em um primeiro turno caso fosse contra o atual gestor à urnas. 

Cansado de fugir, Moro entrou para o ‘jogo’, está atuante no Twitter e até abriu ontem, uma conta no Instagram. “Há quem veja o ex-juiz em estágio bem avançado de construção de uma candidatura. E é justamente isso que tira o sono do sempre paranoico Bolsonaro. ”, disse em seu blog a jornalista Vera Magalhãeso do site BR Político.

Para além dessas possibilidades, há-se também a segurança da família de Bolsonaro em jogo, o que depende do controle do presidente sobre a Polícia Federal. É que observa a colunista Helena Chagas, do site Divergentes. “O controle da Polícia Federal e de outros órgãos que podem investigar seus filhos, as milícias do Rio de Janeiro, etc. Não por acaso, Moro recuou nos últimos dias no apoio à federalização do caso Marielle. É como se mandasse um recado ao chefe e a outros interessados de que não quer se meter nesse assunto. ”, opinou. 

A disputa pelo poder inevitável deve fazer a popularidade de Bolsonaro alcançar índices lamentáveis. Já que após um ano de Governo, sua popularidade caiu drasticamente, e até mesmo seguidores mais assíduos deixaram o presidente, uns por ações dos filhos do ‘homem’ e outros por embates ideológicos. 

Para o ex-chefe de Governo de Bolsonaro, Gustavo Bebbiano, até agora, Moro foi o freio que inibiu o uso político da Polícia Federal, o que, com toda certeza, irrita bastante o Jair. “Sem o Moro, as chances de a PF ser utilizada como ferramenta de opressão contra os desafetos serão grandes. Isso poderá gerar um clima muito pesado no país. ”, disse em entrevista ao UOL. 

Para tirar ainda mais o sono de Jair Bolsonaro, ontem foi divulgado ranking feito pela ONG Transparência Internacional, que avalia índices em ações para combate à corrupção. A mídia vendeu a Lava Jato, no entanto, aos olhos de quem vê o Brasil caiu em índice de combate à corrupção. O país repetiu a mesma nota recebida em 2018, a sua pior desde 2012 no ranking feito pela ONG Transparência Internacional. Na 106ª posição, entre 180 países avaliados, o país está atrás de outros latino-americanos como Argentina (66ª), Chile (26ª), Colômbia (96ª), Cuba (60ª), Equador (93ª) e Uruguai (21ª).

Isso indica que o novo governo, apesar do discurso, não adotou medidas que impactassem na percepção de que práticas corruptas, tais como abuso de poder, subornos e acordos secretos, tenham diminuído no país. Inclusive a situação política na PF pode ter colaborado para a percepção negativa no ranking.

Jair Bolsonaro queria demitir Sergio Moro em agosto de 2019, ao saber que o ex-juiz criticara a decisão de Dias Toffoli sobre o Coaf, que protegeu Flávio Bolsonaro. Mas Bolsonaro foi contido pelo ministro Augusto Heleno. “Se demitir o Moro, o seu governo acaba”, disse Heleno.  

A informação consta do livro Tormenta – O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos, da jornalista Thaís Oyama.