26 de abril de 2024
Campo Grande 24ºC

Vitorioso, Delcídio criou o cenário para perder

A- A+

O PT e seus aliados em Mato Grosso do Sul continuam debatendo as razões que levaram o senador Delcídio Amaral a perder uma disputa na qual gozou de favoritismo amplo até ás vésperas da eleição. Não se sabe ainda se ao fazer sua autocrítica o partido de Delcídio esgotou todos os fatores positivos e negativos de sua campanha, que já começou com um desafio pontual de larga magnitude: enfrentar o estigma da corrupção colada no PT pelos opositores que exploravam o chamado “escândalo da Petrobras”.

Para a opinião pública e notadamente para os observadores melhor informados e mais experientes as razões da derrota são fáceis de identificar. Começam pela ausência total da militância no início da campanha e pelo encorpamento pouco expressivo no segundo turno. Os motivos, presume-se, seriam dois: o relaxamento diante das pesquisas que sugeriam o “fato consumado” da vitória já no primeiro turno; e as graves deficiências de uma estrutura de coordenação, que não funcionou nem como colegiado, nem como resultado de intervenções individuais de dirigentes e integrantes da cúpula diretiva.

“Delcídio perdeu para ele mesmo”, afirmou um graduado militante do PT, com a concordância de políticos de partido aliado, em reveladora conversa num gabinete da Assembleia Legislativa. Ele observou que todo o processo de campanha – desde as conversações em busca de alianças até à escolha de coordenadores e da produção de mídia e marketing – foi feita pessoalmente pelo senador. Foi ele quem, por exemplo, pôs o suplente Pedro Chaves de coordenador-geral da campanha. Sem experiência alguma nesse affair, sem convivência com lideranças e atores essenciais às demandas pertinentes à função, Chaves também não recebeu a estrutura que precisava para tocar a tarefa. Ficou como um figurante de luxo, pois as últimas palavras eram dadas sem seu conhecimento.

A falta de familiarização entre candidato e coordenação com os aliados e a própria sociedade foi outro item corrosivo no projeto. O prefeito de Nova Andradina, Roberto Hashioka (PMDB), e sua mulher, a deputada estadual Dione Hashioka (PSDB), assumiram publicamente no primeiro turno preferência pelo petista. Ela, inclusive, deixou de disputar a reeleição para ficar com Delcídio. Era um gesto de grande coragem, de elevado significado político, mal dimensionado pelo PT, pois o prefeito e a deputada são de partidos que tinham seus próprios candidatos ao governo (o peemedebista Nelsinho Trad e o tucano Reinaldo Azambuja). No segundo turno, o casal deixou Delcídio e ficou com Azambuja. Consta que a gota d´água foi uma visita que o petista fez a Nova Andradina sem antes articular sua visita com o prefeito, a quem sequer teria procurado para acertar a agenda.

Esconder o deputado Londres Machado, candidato a vice, também não foi de boa medida. Integrantes do grupo de mobilização revelaram que até para falar com o petista Londres tinha dificuldade. Era mais comum algum assessor ligar. Londres recebeu a missão de reforçar a campanha em Dourados, cidade-pólo, porém ao que tudo indica não teve o respaldo presencial e político que necessitava. Como se não bastasse, teve que engolir a indisfarçada discordância de quem desaprovou a escolha de seu nome para ser o vice.

Montar a chapa foi outro ponto de celeuma. Se Londres não era o melhor nome para vice, Ricardo Ayache, o candidato a senador e outra escolha de Delcídio, sofreu o mesmo questionamento. Antes da convenção que homologou as candidaturas, as preferências do PT para disputar o Senado recaíam no ex-governador Zeca do PT, vereador mais votado em 2012. Ele era o líder das pesquisas senatoriais, entretanto ficou como reserva de qualidade para disputar a Câmara dos Deputados, concorrendo com Vander Loubet e Antonio Carlos Biffi, que tentariam a reeleição. Zeca foi o deputado federal mais votado, Vander se reelegeu com metade dos votos do primeiro mandato e Bifffi naufragou, perdendo a vaga para o pedetista Dagoberto Nogueira. O estrago se completou no segundo turno com a indicação de Biffi – bancada por Delcídio – para a coordenação da campanha.

HISTÓRICO – O PT sul-mato-grossense tem sobre a mesa contextos conjunturais e individuais para avaliar o insucesso. Além dos fatores já citados, há o histórico pessoal do candidato, que desembarcou politicamente no Estado em 1998 tentando viabilizar-se para a disputa de um mandato federal pelo PSDB. A intenção foi abortada já no nascedouro. As antigas lideranças não deixaram prosperar a semente lançada por um “forasteiro” que já queria começar por degraus mais altos da escada.

Em 1998, o deputado estadual Zeca do PT quebra favoritismos, se elege governador no segundo turno derrotando Ricardo Bacha, do PSDB, partido que havia fechado as portas para Delcídio. Vander Loubet, que era secretário de Zeca na Assembleia Legislativa, torna-se chefe da Casa Civil e põe os olhos em Delcídio, pensando no futuro do PT. Com Zeca, começa a articular a promissora filiação. Vander e Zeca conseguem, a duras penas, quebrar a resistência de parte da cúpula e de setores históricos do PT. A filiação é aprovada. Delcídio começa a viver rituais políticos diferentes, ambientando-se num partido de esquerda. Em 2001, antes de candidatar-se a deputado federal, Vander deixa a Secretaria de Infraestrutura e põe Delcídio em seu lugar. Era uma dupla tentativa de ganho eleitoral, que tornou-se vitoriosa: Vander se elege deputado federal e, outra vez com Zeca, ajuda a quebrar a relutância do PT para aprovar a indicação de Delcídio como candidato ao Senado.

Zeca reeleito, Vander deputado federal e Delcídio senador – o PT só dependia de sua unidade interna para ampliar a hegemonia e representação política. Mas vieram duas eleições para a renovação dos diretórios petistas e com elas nasceram rusgas impactantes. Delcídio descolava-se da liderança de Zeca e de Vander. Montava suas próprias bases, dentro e fora do PT. Com prestígio no Senado, entendia que poderia, a cabo de uma postura diferenciada, elevar-se acima do partido e figurar entre os pontos de referência em Mato Grosso do Sul. Vander e Zeca se reelegeram em 2002. E Delcídio já tinha o indicador compulsório de candidato a candidato à sucessão. Para reforçar essa condição, investiu na disputa pelo controle do partido e aprofundou as diferenças.

DISPUTANDO ESPAÇOS - A necessidade de disputar e conquistar espaços no PT para consolidar o projeto de governar o estado levou Delcídio a polêmicas intervenções e episódios desgastantes. Numa disputa pelo Diretório Regional, Zeca viu-se obrigado a retirar sua candidatura, convencido por Vander, para não criar um racha de indesejáveis proporções. Um consenso às pressas levou à presidência o advogado e vereador de Paranaíba Marcus Garcia, nome de confiança de Delcídio. Na sucessão do Diretório, foi a vez de Marcus retirar-se da disputa. Ele queria continuar, mas abriu mão para outro consenso de última hora, que pôs em cena o prefeito eleito de Corumbá, Paulo Duarte. Mas uma vez o arranjo tinha como norte garantir o cenário para fazer Delcídio governador.

Nas rupturas e reatamentos entre Delcídio e Zeca, fatos e boatos vêm alimentando uma história de intrigantes protagonismos. Em duas eleições estaduais ambos se acusaram de boicote. Em 2006, Zeca perdeu para Puccinelli e deu sentença de culpa a Delcídio, inclusive vitaminando a versão generalizada de que Delcídio preferiu empenhar-se pela eleição de um senador peemedebista (Waldemir Moka) que de um candidato aliado (Dagoberto Nogueira, do PDT).

Nas eleições municipais as arestas foram também pontiagudas. Delcídio, com o controle do diretório, articulou a candidatura do deputado Pedro Teruel a prefeito em 2008. Embora o PT não tivesse chances convincentes de vitória, poderia alcançar um desempenho melhor que o de Teruel. Em 2012, apesar da forte manifestação da opinião pública por Zeca do PT nas pesquisas, Delcídio trabalhou para fazer de Vander Loubet o candidato. O partido amargou uma derrota acachapante e viu mais distante o sonho de conquistar a prefeitura da maior cidade do Estado.

Nesta campanha pelo governo estadual, nem mesmo o apelo criativo embutido no lema “senador de todos” – que alguns adversários ferinos atribuem ao apoio que deu a Moka em 2010 – ofereceu a Delcídio a capilaridade política e eleitoral que vislumbrou quando andava de bem com as pesquisas e chegava a atingir 60% de intenções de voto. Foi ele quem, por iniciativa própria, e sem ninguém na escolta, fez todas as conversas de pré-campanha com Reinaldo Azambuja. Estava certo ao inferir que tirar o tucano da disputa garantiria mais a vitória, mas não conseguiu convencer o partido a apadrinhar essa composição.

Heloísa Lazarini