19 de abril de 2024
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CRIME DE ESTADO

Identificados os PRFs que torturaram e assassinaram Genivaldo com gás em viatura

Agentes confessam no boletim que usaram 'espargidor de pimenta e gás lacrimogêneo'

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Revelou-se os nomes dos Policais Rodoviários Federais (PRFs) que usando um gás lacrimogêneo afixiaram Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, na última quarta-feira (25.mai.22), em Umbaúba, Sergipe. Os acusados são Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia. Além desses, também estão envolvidos nos crimes os PRFs: Adeilton dos Santos Nunes e Clenilson José dos Santos.  

Todos são agentes do Comando de Operações Especiais da Polícia Rodoviária Federal no Sergipe e assumem, em documento oficial, compor a “equipe de motopoliciamento tático [que] efetuava policiamento e fiscalização” responsável pela detenção que terminou com a morte de Genivaldo. 

Os agentes confessam no boletim que usaram “espargidor de pimenta e gás lacrimogêneo”, em função da “agitação do abordado”. Eram “tecnologias de menor potencial ofensivo”, garantiram.

O boletim de ocorrência registrado pelos policiais, de número 1510422220525111006, parece tratar de uma ocorrência diferente da registrada em vídeo – ainda que não seja o caso. O documento fala em emprego do uso “diferenciado da força”, que ao ver deles ocasionou uma “fatalidade desvinculada da ação policial legítima”. No documento, os policiais fizeram questão de registrar os “delitos” de “desobediência” e “resistência”.

As imagens disponíveis na internet são repugnantes e não devem ser vistas por pessoas sensíveis. Não há resistência por parte da vítima, cujo crime foi dirigir uma motocicleta sem capacete – algo que o presidente da República fez há dois meses no Ceará, inclusive, con Luciano Hang em sua garupa.  

Na quinta, 26 de maio, a população de Umbaúba foi às ruas protestar contra a ação policial.

Sem mencionar o caso, o presidente Jair Bolsonaro postou em seu canal de Telegram na manhã da mesma quarta um texto elogioso à Polícia Rodoviária Federal.

Nele, Bolsonaro afirmou que as “Forças Policiais e de Segurança do Brasil (PRF, PF, polícias militares e civis e seus batalhões, entre outras) têm trabalhado em prol da liberdade dos brasileiros de bem, ordeiros e honestos”, e que “lamentam o sucesso das ações de segurança, apenas, bandidos e comparsas”. Questionado sobre o caso em Sergipe, o presidente desconversou e disse apenas que iria se “inteirar com a PRF”.

Além de causar a morte de Genivaldo no Sergipe, a PRF também participou da chacina da Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio, a segunda maior da história da capital carioca.

CONSEQUÊNCIAS 

O Fantástico disse que 3 agentes;  Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia foram afastados pela PRF e estão sendo investigados em um procedimento administrativo disciplinar.

Como mostramos aqui no MS Notícias, Genivaldo foi abordado pois estava trafegando sem capacete em uma motocicleta. O motociclista fazia tratamento psiquiátrico e isso foi informado pelo sobrinho aos agentes.

Ainda assim, Genivaldo foi xingado, agredido, imobilizado e, por fim, sufocado no porta-malas da viatura da Polícia Rodoviária Federal até a morte. Um vídeo mostra a execução. Veja AQUI.  

A morte de Genivaldo aconteceu no mesmo dia em que o mundo lembrava os dois anos do assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos.

E o paralelo trágico se tornou inevitável. Mais uma vez, a brutalidade policial tirou a vida de um homem negro.  

A ação policial ocorreu na BR-101, por volta das 11h daquela quarta.

Genivaldo foi parado e desembarcou da moto. Então, ele foi revistado enquanto ouvia palavras de ordem. Um agente se aproximou e aplicou, sem motivos, gás de pimenta no rosto de Genivaldo. Diante disso, Genivaldo ficou agitado e conseguiu se soltar, mas os policiais ordenam que se deitasse no chão.

A abordagem continuou no meio da pista, quando três PRFs se uniram para algemar Genivaldo.

Os policiais o prenderam pelas mãos e tentaram prender os seus pés. Na tentativa de imobilização, os policiais tentam usar a técnica conhecida como mata-leão, já abandonada por forças policiais mundo afora e também no Brasil.

Eles pressionam com os joelhos o pescoço e o peito de Genivaldo, que parecia dominado. Os agentes decidiram, entãom, colocá-lo na viatura. Com as pernas, Genivaldo resistia, impedindo o fechamento da porta traseira da viatura. 

Um dos policiais, por fim, decidiu jogar um dispositivo 'bomba de gás' dentro do porta-malas. A fumaça de gás lacrimogêneo surgiu e, por mais de um minuto, eles continuam pressionando a porta. Uma das testemunhas alertou os policiais a todo tempo: “Vai matar o cara", mas foi ignorada.  

Quando eles finalmente abriram a porta, Genivaldo parecia estar desacordado e não resistia mais.

O gás lacrimogênio expulsa o oxigênio do ambiente. Isso pode causar o colapso do sistema respiratório e provocar asfixia.

“Essa asfixia, a impossibilidade de respirar leva a queda de oxigenação no organismo que é a hipóxia. E a hipóxia vai provocar todos os seus prejuízos aos órgãos e sistemas do organismo como o sistema nervoso, cardiovascular, respiratório”, explicou Gustavo Prado, médico da Sociedade Brasileira de Pneumonologia.

Do outro lado da pista onde tudo aconteceu trabalha Ualisson de Jesus Santos, sobrinho de Genivaldo que viu tudo acontecer.

Repórter: A partir do momento que eles colocam o seu tio na viatura, ele para de se de se debater, ele para de se mover. O que eles fazem depois disso?
Ualisson: Deixaram a viatura ali.
Repórter: Não socorreram ele imediatamente, ali?
Ualisson: Não, não. Ele ficou lá no local. Com toda calma, eles foram pegar a moto, pegar um engate no reboque deles para colocar na viatura, pegar a moto e botar em cima.
Repórter: Para onde eles foram depois que eles saíram?
Ualisson: Direto para a delegacia. Assim que a gente chegou na delegacia, o delegado notificou a gente que eles tinham vindo para o hospital. Quando chegamos lá, estava um policial na porta do quarto. A gente pediu para entrar. Ele disse não, não entra ninguém aqui.

Na quarta-feira, a PRF chegou a dizer em nota que os agentes empregaram "técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo". A polícia ainda não confirma os nomes, mas divulgou um vídeo com uma mudança de posicionamento sobre o caso.

“Assistimos com indignação os fatos ocorridos na cidade de Umbaúba, em Sergipe, em que uma ação envolvendo policiais rodoviários federais resultou na morte do senhor Genivaldo de Jesus Santos. Não compactuamos com as medidas adotadas durante a abordagem ao senhor Genivaldo. Os procedimentos vistos durante a ação não estão de acordo com as diretrizes expressas em cursos e manuais da nossa instituição”, disse Marco Territo, coordenador geral de comunicação institucional - PRF.

A OAB cobra prisão cautelar dos envolvidos e a ONU pediu uma "investigação célere e completa" do caso. A investigação em Umbaúba é feita pela Polícia Federal, que mandou peritos de Brasília. O Fantástico obteve vídeos que mostram a equipe examinando no sábado (28) a viatura em que Genivaldo ficou preso.

“A investigação tá em andamento, tá fluindo, a polícia rodoviária está contribuindo com a investigação desde o início, então a meu ver não tem motivo para pedido de prisão dos policiais (sic)”, disse Fredson Vidal, delegado da Polícia Federal em Sergipe.

A Polícia Federal tem 30 dias para concluir a investigação.

Uma investigação do Fantástico mostra que o procedimento utilizado em Sergipe pode não ser um caso isolado no Brasil. A reportagem encontrou sentenças judiciais com relatos de 18 homens que receberam gás de pimenta confinados em viaturas de diferentes forças policiais. São casos ocorridos nos últimos 12 anos, em seis estados, envolvendo suspeitos que foram detidos por diferentes acusações.

“Eu estava algemado para trás, ele abriu a porta de trás do chiqueirinho e encheu de pimenta na minha cara. Me ameaçavam, que eles iam me matar, que eles iam me matar. Eu me arrepiei todo a hora que eu vi esse vídeo do Genivaldo, porque para mim foi um filme que passou na minha cabeça”, conta um homem.

Como o dele, há outros depoimentos de suspeitos que quebraram as janelas das viaturas para conseguir respirar. Alguns deles chegaram a quebrar o vidro com a cabeça, mas nenhum desses casos envolveu gás lacrimogêneo, que é ainda mais perigoso, como o caso de Genivaldo.