16 de abril de 2024
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Dom Phillips e Bruno: preso cita assassinatos e PF o leva até área de buscas

Irmãos teriam ocultado os corpos; veja tudo o que se sabe

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Amarildo da Costa Oliveira, de 41 anos, um dos suspeitos do desaparecimento de Dom Phillips e de Bruno Pereira, confessou nesta quarta-feira (15.jun.22) ter ajudado a ocultar os corpos do jornalista e do indigenista, depois de terem sido assassinados à tiros.  

Fontes da Polícia Federal (PF) confirmaram a informação ao site Poder360.

O suspeito, conhecido como 'Pelado', teria dito à PF que sabe a localização dos corpos. Afirmou também que não foi o responsável pelas execuções, que teriam ocorrido por tiro de arma de fogo.

Amarildo foi preso em flagrante pela PF em 7 de junho, durante uma abordagem por posse de drogas e munição calibre 762, de uso restrito. Ele também estava portando armamento de caça.

Outro suspeito no desaparecimento da dupla é Oseney da Costa de Oliveira, de 41 anos, irmnão de Amarildo, preso pela PF na terça-feira (14.jun), conhecido como “Dos Santos”. Ele teria participado do caso junto o irmão “Pelado”.

A PF disse que "Dos Santos" passou por interrogatório e foi levado para audiência de custódia em Atalaia do Norte (AM). 

Nesta tarde de quarta, uma equipe de agentes foi fotografada pelo Estadão levando "Dos Santos" da delegacia até o porto da cidade, principal acesso às terras indígenas do Vale do Javari. O Estadão disse que a PF estaria levando o suspeito à área de buscas, onde podem estar ocultados os corpos de Dom Phillips e Bruno.  

Vamos lembrar que "Pelado" virou alvo também depois que a PF encontrou sangue humano em sua embarcação na última sexta-feira (10.jun). O material foi enviado para a análise.

Investigadores também encontraram “material orgânico aparentemente humano” no rio Itaquaí, no Vale do Javari. Ainda não foi confirmado a quem pertenciam esses materiais.  

GOVERNO OMISSO

O MS Notícias divulgou que a o governo de Jair Bolsonaro teria sido moroso nas buscas e, corroborando com essa situação, nesta quarta-feira, a Fundação Nacional do Índio (Funai) se recusou a pesquisar e divulgar qualquer documento da fundação sobre o jornalista inglês Dom Phillips. O órgão indigenista é subordinado ao Ministério da Justiça bolsonarista.  

Na terça-feira (14jun) à noite, a Defensoria Pública da União (DPU) cobrou a Funai, pedindo que o órgão não atente mais contra Dom e Phillips. Isso porque o órgão ao invés de ajudar, no dia 10 de junho, fez foi emitir uma nota dizendo que o jornalista e o indigenista não tinham "autorização" para ingressar na terra indígena para a expedição jornalística.  

A DPU, em pedido feito ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), criticou a nota da Funai.  

Os próprios servidores da Funai decidiram fazer uma greve de 24h na segunda-feira (13.jun) em razão das declarações dadas pelo presidente da entidade, o delegado Marcelo Augusto Xavier da Silva. Marcelo Augusto disse na mesma sexta-feira (10.jun) que iria acionar o Ministério Público Federal (MPF) contra o jornalista e o indigenista, devido a eles estarem fazendo a expedição na área indigena, conforme Marcelo, "sem autorização". 

Essa informação, porém, foi rebatida pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava), que afirma que Bruno tinha essa autorização até a data em que ele deixou o local e que os dois, juntos, não ultrapassaram o limite permitido.

"De fato, na autorização de ingresso em terra indígena concedida pela Funai a Bruno Pereira não há menção ao Sr. Phillips, pois ele não ingressou nem intencionava adentrar nos limites da Terra Indígena Vale do Javari", explicou a Unijava.

MARCADOS PARA MORRER 

Os desaparecimentos de Bruno e Dom ecoam como um trágico grito de socorro da floresta amazônica e de seus habitantes originais.

Agora o mundo sabe que ali, naquele monte de folhas que se vê pelo Google Maps, onde fica a Terra Indígena Vale do Javari (a segunda maior do Brasil), local onde dois heróis empenharam suas vidas individuais para defender as vidas coletivas, destruídas diariamente pelo garimpo, pela ganância, pelo ouro, pelo agronegócio, pelo narcotráfico, pela pesca predatória e, até, por missionários religiosos, inescrupulosos defensores de um Deus da morte.

Bruno Pereira não era para estar lá. Ele já tinha sido vestido pelos genocidas com uma camisa desenhada com dois alvos: um na frente e outro atrás. Um terceiro estava estampado em sua testa. Ele era o cabra marcado para morrer.

O estudo dos boletins de serviço da Funai fornece provas eloquentes do compromisso de Bruno com a defesa dos povos isolados e de recente contato. 

No dia 2 de janeiro de 2020, por exemplo, o boletim registra que Bruno realizou "reunião com autoridades ref. ao assunto presente no documento sigiloso Ofício 219/Gabinete do Procurador/PRM/Tabatinga, de 17/06/2019, que trata da promoção de ações de combate a ilícitos na região do Alto Solimões, com presença de povos indígenas isolados". 

Em 3 de janeiro do mesmo ano, Bruno participou de ações de proteção, monitoramento e vigilância com o objetivo de realizar articulações estratégicas e proceder ao encaminhamento dos preparativos para a execução de Operação de Fiscalização no Jutaí em conjunto com as forças de segurança pública através de ações de coibição de ilícitos ambientais e de combate ao garimpo ilegal na TI (Terra Indígena)”.

Em agosto de 2014, Bruno participou de reunião e discussão no Ministério Público Federal sobre Saúde Indígena e ingresso irregular de missionários na Terra Indígena Vale do Javari.

No começo de 2019, Bruno integrou a “articulação para alinhamentos estratégicos e institucionais com o Comando Militar da Amazônia, Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, Delegacia de Polícia Federal de Tabatinga, 8° Batalhão de Infantaria da Selva do Exército em Tabatinga, que se refere à segurança das equipes operacionais da FPE (Frente de Proteção Etnoambiental) Vale do Javari durante a execução do Plano de Contingência para Situações de Contato, e realizou articulações estratégicas e institucionais junto à Procuradoria da República, Ministério Público Federal do Amazonas em Tabatinga…”

Bruno foi responsável pela Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai até outubro de 2019. Logo depois de coordenar uma operação que expulsou centenas de garimpeiros da terra indígena Yanomami, em Roraima, entretanto, foi exonerado do cargo sem qualquer tipo de justificativa interna.

A exoneração foi assinada no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro pelo então secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o ex-delegado da Polícia Federal (PF) Luiz Pontel de Souza, escolhido para o cargo pelo ex-juiz ladrão Sergio Moro. Para ocupar o lugar de Bruno, foi escolhido o missionário evangélico Ricardo Lopes Dias, que atuou entre 1997 e 2007 na Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), organização com origem nos EUA que promove a evangelização de indígenas brasileiros desde os anos 1950. Um coordenador “terrivelmente evangélico”, é claro! Para esses missionários, é preciso arrancar o coração dos indígenas para impor-lhes o Deus vingativo e cruel professado por algumas igrejas cristãs, comprometidas com a teologia da prosperidade. Veja aqui.

 

Os registros dessas inúmeras notas nos Boletins de Informação da Funai mostram que as atividades de Bruno eram conhecidas por todos os agentes que deveriam zelar pela segurança do território. Que ele se reunia com o Comando de todas as forças repressivas, aí incluídos o Exército, a Polícia, a Marinha, o Ministério Público Federal, a Funai. Ele não era um aventureiro irresponsável, versão que o próprio Bolsonaro esforçou-se para impor à opinião pública mundial nas primeiras horas do desaparecimento.

Acontece que Bruno, depois da exoneração do cargo de Coordenador dos Índíos Isolados, nunca pretendeu para si o conforto de uma aposentadoria precoce. Inconformado, ele pediu para ser licenciado sem vencimentos por dois anos do cargo público. E voltou para o Vale do Javari, desta vez prestando consultoria à União dos Povos Indígenas da região, a Univaja, sobre com defender a Terra Indígena contra a intrusão de garimpeiros, traficantes e pescadores ilegais.

Ciente de que a preservação da terra indígena só poderia ser feita com a exposição para todo o mundo do drama humanitário e ambiental ali presentes, Bruno firmou uma parceria existencial com Dom Phillips, jornalista inglês, branco, colaborador de algumas das mais prestigiosas publicações do mundo: os jornais “The Guardian” e “New York Times”. A parceria ideal. Um sertanista e um jornalista. Um brasileiro e um inglês. E é agora, por causa dos desaparecimentos deles, que o mundo sabe: ali, naquele canto a oeste do Brasil, trava-se uma luta de vida ou morte, de preservação ou de destruição, de respeito às culturas originárias, ou de tributo ao deus Mercado, que vem neste momento se entesourando em ouro e metais preciosos, porque não sabe até quando o dólar se aguenta.

É preciso honrar a luta de Bruno e Dom... ( Continue lendo em JORNALISTAS LIVRES)